Militares

Ex-militares do Exército são recrutados por criminosos


A TRIBUNA- KANANDA NATIELY

Vitória (ES) – A experiência, força e inteligência que jovens desenvolvem quando servem ao Exército têm chamado a atenção de criminosos da Grande Vitória.

Pensando nas habilidades físicas e psicológicas desses garotos, bandidos estão oferecendo cargos com altos salários, semanais, aos ex-soldados que aceitarem ser recrutados pelas quadrilhas.

O subinspetor da Guarda Municipal de Vila Velha, Patrick Oliveira, que já interrogou alguns ex-praças durante conduções às delegacias, relata que já ouviu de traficantes que o aprendizado dos militares da reserva é valioso.
“Como esses jovens saem de lá bem preparados, com noções de ordem, hierarquia, estratégia e treinamento específico, o tráfico se aproveita. Alicia essas pessoas e levam para se tornarem armeiros, segurança do chefe da boca. Tudo isso contribui para um “profissionalismo no mundo do crime”, explicou.

O vice-presidente de uma organização não-governamental, criada há 10 anos para resgatar ex-soldados do Exército do mundo do crime, relata que casos recentes foram registrados no grupo.
“Isso é comum de acontecer. Muitos jovens são de regiões onde o tráfico predomina e, quando saem, acabam sendo aliciados. Já tivemos casos até de pessoas que foram para o Rio de Janeiro, onde receberiam um salário de R$ 9 mil”, conta Herivelto de Oliveira, da Associação Irmãos do Exército.
Quem recebeu uma proposta parecida há um tempo foi o ex-praça e hoje vigilante Marcos Klippel Kruger, de 44 anos. “Eles (traficantes) sabiam que eu manuseava bem armas pesadas. Me convidaram para ser armeiro, me ofereceram uma vaga com um salário alto no Rio de Janeiro”, contou.
Para o dirigente do Centro de Apoio Criminal do Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPE-ES), Nilton de Barros, que afirmou ter ciência desses casos, a ganância pelo dinheiro e a falta de oportunidade levam esses jovens a aceitarem essas propostas.
“As oportunidades no mundo do crime oferecem um lucro muito alto. Você pode até levar o Estado Presente, mas, no final das contas, a ganância e a vontade de ostentar prevalecem”.

Preso com drogas no quartel
“Hoje eu sei que perdi uma grande oportunidade”. Foi com essa frase que um instalador de ar-condicionado, de 33 anos, lamentou a atitude que teve quando serviu ao Exército, há alguns anos, no 38º Batalhão de Infantaria, na Prainha, em Vila Velha. Ao ser pego em flagrante usando drogas no quartel, acabou preso e expulso da corporação. “Na minha época, isso acontecia muito. Fiquei preso e depois eu fui dispensado”, contou o instalador que pediu para não ser identificado.
Ele relatou que após o primeiro contato com as drogas, o passo seguinte foi o envolvimento com o tráfico. “Como eu adquiri alguma experiência no Exército, me fizeram uma proposta e eu aceitei”. Já no tráfico, ele acabou preso por mais cinco anos e hoje se mostra arrependido. “Eu faria tudo diferente. Tráfico é ilusão”.

“É questão de formação familiar”, diz comandante
A falta de oportunidade não é o fator principal que leva um ex-soldado das Forças Armadas a entrar para o crime. É o que afirma o comandante do 38º Batalhão de Infantaria do Exército, tenente-coronel Marcelo Alves.
Em conversa com a reportagem de A Tribuna, ele contou que no Exército os jovens recebem instruções sobre ética, idoneidade e, principalmente, qualificações profissionais.
“Aquele militar que cumpriu o seu serviço militar e assimilou os valores que a gente prega, dificilmente vai ser induzido por essas organizações criminosas”.

A TRIBUNA – Como é a vida de um recruta no Exército?
COMANDANTE – Eles entram no Exército na prestação de serviços, o que é obrigatório, e ficam um ano aprendendo o básico da vida de soldado.

O que seria esse “básico”?
Ele vai aprender tudo sobre o serviço militar, com aulas práticas e teóricas. Aprendendo até como se vestir, sobre o uso da farda, leis, regulamentos. Educação física todo dia, instrução militar de tiros. Isso nos dois primeiros meses que chamamos de período básico.

E depois?
Depois, ele passa por um período de qualificação, onde aprende uma especialidade interna. Por exemplo, ele vai ser operador de metralhadora, ele vai trabalhar na parte da cozinha, na parte de transporte, entre outros.

Quando termina esse período de qualificação?
Terminado esse período de qualificação, ele continua no serviço militar até concluir o ano nas atividades do quartel. Outra parte é aproveitada para prosseguir no quadro de soldados do efetivo profissional.

O que é avaliado para que esses jovens sejam aproveitados?
É avaliado o desempenho, meritocracia. É o que ele apresentou no período de um ano. Tanto na parte de condicionamento físico, de tiro e avaliação.

Eles recebem algum incentivo para não entrarem para o crime?
Esses jovens têm várias oportunidades no quartel, como cursos de capacitação que são oferecidos, recebem descontos em faculdades, além de serem encaminhados ao mercado de trabalho quando saem.

Qual o perfil dos jovens que servem ao Exército hoje?
A maioria é de voluntários que vieram de periferias, de comunidades carentes.

Em sua opinião, o que leva esses garotos a partirem para o crime?
Entrar ou não nessa vida é questão de índole. A pessoa alega que está sendo induzida porque não tem oportunidade, mas também é uma questão de formação familiar e de índole da pessoa.

Já aconteceu de vocês pegarem alguém usando drogas lá dentro?
Sim. Algumas vezes.

O que acontece com quem é pego?
Se for pego em flagrante, ele responde à Justiça Militar pelo crime. Se não tiver flagrante, provavelmente será indiciado em inquérito policial militar e poderá ser objeto de denúncia por parte do Ministério Público Militar. Em todos os casos, com grande probabilidade de condenação e de expulsão.

“Me convidaram para ser armeiro, mas não quis”
Foi por saber manusear armas pesadas que um ex-soldado do Exército, hoje vigilante, de 44 anos, foi “convidado” a servir ao tráfico.
Ele conta que decidiu recusar a proposta por pensar na família.
“Eu sabia o destino que teria e minha família precisava de mim”, afirmou Marcos Klippel Kruger.
O vigilante, que chegou a usar drogas dentro do quartel, diz que está arrependido pela escolha. “Me viciei. Cheguei a gastar R$ 15 mil em uma semana com drogas, mas Deus me libertou”.

Grupo para ajudar reservistas
Foi pensando em ajudar jovens que saem do Exército e se envolvem com o mundo do crime que um grupo de ex-combatentes do 38º Batalhão de Infantaria decidiu criar uma organização.
A estratégia criada pelo grupo se baseia em direcionar rapazes, recém saídos do quartel, para o mercado de trabalho.
“Geralmente, vamos lá no Batalhão e solicitamos a relação dos meninos que estão para sair, para encaminharmos para alguma empresa aqui fora, porque muitos saem de lá já capacitados”, explicou o vice-presidente da organização batizada de Irmãos do Exército, Herivelto de Oliveira.
A associação, criada há cerca de 19 anos, conta hoje com mais de 50 pessoas que trabalham pelo mesmo objetivo.
“Nas reuniões que fazemos, nós discutimos formas de ajudar esses jovens, não só esses que estão caindo no crime, mas a todos que precisam de algo.”
A associação conta com ex-militares que serviram no 38º BI dos anos 80 até 2000. Além deles, o grupo também conta com sargentos que ainda atuam no serviço militar.
O vice-presidente disse também que a associação costuma fazer de tudo para impedir que ex-soldados ingressem na criminalidade.
“Quando essa informação chega para a gente, nós fazemos o máximo possível para impedir essa atitude por parte deles.”
A Tribuna/montedo.com


Edmilson Braga - DRT 1164

Edmilson Braga Barroso, Militar do EB R/1, formado em Administração de Empresas pela Universidade Federal de Rondônia e Pós-graduado em Gestão Pública pela Universidade Aberta do Brasil.

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