Previdência dos Militares e Reestruturação da Carreira
ALERTA TOTAL
Por Teófilo Fabiano Lima de Oliveira
Ah, senhores Comandantes Militares das Forças Armadas, depois de visualizar meu contracheque de janeiro de 2020, não há como não perguntar a V.Ex.ª o porquê de tanta confusão, exposição, grita daqui e dali por pouca coisa, quase nada, durante a tramitação do PL 1645 que tratava da previdência dos militares e da reestruturação da carreira, que desaguou na Lei nº 13.954-2019.
-Fico a indagar quem foram os luminares que conceberam essa dita reestruturação de nossa carreira, mais que isso, como os Chefes Militares aquiesceram com tamanha disparidade e falta de bom senso. Uma lástima.
- Dos R$97,3 bilhões ganhos no Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas em 10 anos, R$86,85 bilhões serão direcionados para a reestruturação da carreira, tudo como manda o figurino.
- Fiz um cálculo a grosso modo, depois de ler o meu contracheque de janeiro de 2020 e, pude constatar que ao final dessa programada restruturação, em 01ºJul23, terei recebido como reposição, em termos percentuais, no valor líquido de meu contracheque, que em última análise é o que me interessa, um percentual acumulado de cerca de 28%, o que, convenhamos, não soa razoável, principalmente se consideráramos o malabarismo “mandrakeano”, com sucessivos acréscimos de gratificações a conta gotas ao longo de quatro anos(20 a 23), para se chegar, no meu caso, a uma reposição, depois de quatro anos, repito, de cerca de 28% no valor líquido de meus proventos. Enquanto isso, nesse mesmo período (Jan20 à Jul23), certamente, um profissional civil com a mesma qualificação que a minha, por exemplo, já terá auferido reposições que nos manterão no lugar de onde jamais conseguiremos sair.
- Como é do conhecimento de todos, essa reestruturação não objetivou uma reposição linear, como praticamente sempre aconteceu, pois resolveu contemplar a “meritocracia”, aferindo-a principalmente ao longo dos cursos realizados durante a carreira.
- Que a meritocracia se constitui em um excelente instrumento que deva ser a tônica a fim de que tais gratificações se façam sentir como um reconhecimento da instituição não paira dúvida, mesmo se considerarmos que, por exemplo, o universo que chega ao posto de general seja bem reduzido. Da mesma forma, tirante os cursos obrigatórios na carreira, a maioria dos cursos não é facultado a totalidade dos militares, mas a um pequeno universo que, por razões estruturais, penso, não comporta a sua realização de forma massificada, como Curso de Material Bélico, Comunicações, Educação Física, Cursos da Brigada Paraquedista, Guerra na Selva, Comandos, Forças Especiais, Inteligência, etc.
- Só que, se considerarmos que os militares após 1985 tiveram dificuldades extremas na relação com sucessivos governos, quiçá má vontade mesmo, na quadra atual, com o governo do Presidente Bolsonaro, seria altamente propícia a uma revisão linear na combalida situação salarial da classe, coisa que, infiro, não acontecerá agora, o que é triste, muito triste. Dificilmente terão uma nova oportunidade como esta para que tais distorções, que se avolumam, sejam reparadas. Tão cedo haverá clima político para uma reposição linear. Não interessa saber quais os motivos que conduziram a tal reestruturação, mas nada me convence de que, como foi concebida, desenhou-se como extemporânea e unilateral. Dentro do universo da Força, um pequeno “universo” será beneficiado; e não é preciso ir longe para saber quem está inserido nesse universo.
- Logo esses oficiais generais da atual quadra, particularmente os do Alto Comando, formados na AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras) nos de 1976, 77,78,79 e 80, incluindo aí o próprio Presidente Bolsonaro, o Ministro da Defesa e o Comandante do Exército, que vivenciaram e sentiram na pele, como todos nós, toda sorte de vilipêndios, falta de consideração e má vontade por parte da classe política nos anos 80,90,2010, chegando a 2015, que deveriam ter a sensibilidade aguçada no sentido de mitigar as mazelas de toda ordem que a família militar sofreu, principalmente os graduados(as praças), acharam por bem contemplar com gratificações, em obediência a meritocracia. Dizer que tais gratificações não significam aumento salarial é uma falácia e soa extemporâneo. Aumenta, sim, senhor…
- Será que esse modelo de reestruturação foi a única linha de ação apresentada aos Chefes Militares? Não importa que nome seja dado. No final das contas, o valor líquido do contracheque será majorado. E o mais constrangedor, é o fato de que o público externo imagina que militar ganha uma fortuna mensal. É só verificar no site do governo que disponibiliza esses valores de forma transparente.
- Vou me permitir elencar algumas situações que bem definem a situação dos militares no tocante a vencimentos e proventos ao longo dos anos.
- Anos 60 – Meu pai, então 2º Sargento, servia no REI (Regimento Escola de Infantaria), hoje 57º BIMtz, localizado na Vila Militar, no Rio de Janeiro. Lembro-me como se fosse hoje, que ele sempre me falava que estava em estudo um “soldão” que melhoria e muito o salário da tropa, que todos comentavam muito sobre esse assunto no Regimento. Ledo engano, o tempo passou e nada aconteceu, caindo no esquecimento, como sempre.
- Anos 80 – A tropa passava por sérias dificuldades financeiras. O então Ministro do Exército, (Leônidas) Pires Gonçalves, em dado momento, começou a alardear sobre uma desejada “isonomia”, onde os vencimentos de Almirante de Esquadra, General de Exército e Tenente-Brigadeiro seriam equiparados aos dos Ministros do Superior Tribunal Militar (STM). Isonomia passou a ser a palavra de ordem, ficando a tropa em extrema expectativa. Falava-se à época que a dita isonomia representaria um reajuste de cerca de 80%, além dos atrasados que seriam pagos a contar da data em que tal situação fosse oficializada. O então Chefe do EMFA (Estado Maior das Forças Armadas), Tenente-Brigadeiro Paulo Roberto (Camarinha), órgão que, dentre outros assuntos, tratava dos salários dos militares, segundo se comentava, já havia despachado com o então Presidente José Sarney, que dera carta branca para o assunto ser resolvido. Segundo o que foi explicado, a tal isonomia não prosperou quando chegou à justiça para que decidisse sobre a legalidade do assunto. Dessa forma, sem maiores explicações, recebemos um contracheque extra, tendo como parâmetro o salário de Ministro de Estado, e o assunto foi encerrado. Para que se tenha uma ideia, eu era capitão e tive um contracheque de cerca de R$ 1.500,00 em valores de hoje, aproximadamente.
- Anos 80 – Em 03Set86, na Secão Ponto de Vista da Revista Veja, sob o título “ O salário está Baixo. ”, o então capitão Jair Messias Bolsonaro conseguiu que fosse publicada naquela já famosa e prestigiada revista um veemente protesto contra os baixos salários da tropa. Em nenhum momento, de forma clara, ele faz menção a meritocracia, mas a necessidade de melhores e condignos salários, incluindo de 3º Sargentos a Capitães. Abaixo, trecho do que foi publicado à época:
“Como capitão do Exército brasileiro, da ativa, sou obrigado pela minha consciência a confessar que a tropa vive uma situação crítica no que se refere a vencimentos. Uma rápida passada de olhos na tabela de salários do contingente que inclui de terceiros-sargentos a capitães demonstra, por exemplo, que um capitão com oito a nove anos de permanência no posto recebe – incluindo soldo, quinquênio, habilitação militar, indenização de tropa, representação e moradia, descontados o fundo de saúde e a pensão militar – exatos 10.433 cruzados por mês”, escreveu no artigo publicado na edição de VEJA de 3 de setembro de 1986.”
- Anos 80 – Em 22 de outubro de 1987 um fato ocorrido em Apucarana chamou a atenção em todo o Brasil. Por volta das 10 horas da manhã daquele dia cerca de 100 militares (uma Cia), do 30º Batalhão de Infantaria Motorizado (BIMtz), desembarcam de quatro viaturas em frente à Prefeitura e Câmara de Vereadores, cercaram o prédio e impediram a entrada e saída de pessoas. Comandando os militares armados com fuzis e pistolas estava o capitão Luiz Fernando (Walther) de Almeida, na época com 34 anos. O prefeito na ocasião era Carlos Roberto Scarpelini, que naquele dia estava na Assembléia Legislativa, em Curitiba, no gabinete do irmão, à época deputado José Domingos Scarpelini.
Acompanhado pela tropa, o capitão invadiu o gabinete do prefeito e entregou a um assessor do Executivo Municipal carta de protesto contra os baixos salários e a deficiência do atendimento de saúde aos militares. O fato ocorrido em Apucarana deixou no ar um clima de desconfiança, com o temor sobre possível destituição do presidente da República, José Sarney, e a volta da ditadura militar, que ainda estava viva na memória da população.
Imprensa e lideranças políticas da época repudiaram a atitude, mas o protesto surtiu efeito. Na mesma noite, o então presidente José Sarney anunciou, em rede nacional, reajuste de 25% para todos os militares da Marinha, Exército e Aeronáutica. O Comando do Exército, porém, disse na época que o aumento já estava programado.
O militar que comandou a ação em Apucarana foi julgado em Curitiba, na 5ª Circunscrição Judiciária Militar, tendo sido condenado a três anos de prisão. Depois ele foi julgado no Superior Tribunal Militar, em Brasília, onde a pena caiu para oito meses. E por fim, acabou beneficiado por indulto natalino e cumpriu apenas cinco meses de prisão.
Obs: Veja que, no mesmo dia, o Presidente Sarney, programado ou não, anunciou, em rede nacional, reajuste linear de 25% para todos os militares da Marinha, Exército e Aeronáutica. Com esse reajuste, consegui comprar um ar condicionado para casa na quente cidade de Teresina-PI, onde servia como capitão
– Anos 90 – Depois de uma verdadeira guerra de bastidores e “caras feias” dos Chefes Militares por melhores salários, foi elaborada uma nova Lei de Remuneração dos Militares (LRM) que, segundo se comentava, havia carta branca dos parlamentares para que fosse votada no mais curto espaço de tempo e nas condições desejadas. Depois de rápida votação em dois turnos em cada casa, estava aprovada a nova Lei NR 8.237, de 30 de setembro de 1991. A melhoria que todos esperavam, e que poderia ter sido aprovada pelos parlamentares não aconteceu pois, foi tímida ao extremo. Chegou-se a falar que o então Deputado Federal José Genoíno, admirado com todo o barulho que fora feito, comentou que havia acontecido uma batalha “campal” pela nova LRM para promover uma reposição de cerca de 25%, pois, como foi frisado, o Congresso estava propenso a aprovar qualquer alteração que fosse implementada na LRM. Dessa forma, deixamos escapulir pelas mãos uma real oportunidade de contemplar os militares com melhores e reais condições salariais.
- Anos 2000 – Em 2001, no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi editada a famigerada Medida Provisória no 2.215-10, de 31 de agosto de 2001, que trouxe no seu bojo a supressão de uma série de vantagens dos militares que, de maneira informal, poderiam ser mencionadas como “cláusulas pétreas” que nos foram retiradas da noite para dia. O DECRETO Nº 4.307, DE 18 DE JULHO DE 2002, regulamentou a Medida Provisória no 2.215-10, de 31 de agosto de 2001, REESTRUTUROU A REMUNERAÇÃO DOS MILITARES integrantes das Forças Armadas – Marinha, Exército e Aeronáutica, no País e em tempo de paz, e assim permaneceu até que chegamos a “reestruturação” atual, aprovada em 2019.
- À época, o General Ex (Gleuber) Vieira era o Ministro do Exército. Em dado momento, depois de uma entrevista dele ao Jornal Estado de São Paulo, em 14 de março de 1999, foi comentado internamente que FHC não gostara de entrevista e tencionava exonerar o Ministro do Exército. À época, foi comentado ainda que, sabendo da intenção do presidente, o Gen Gleuber, numa demonstração de força e união, convocou para uma reunião em Brasília, no QG do Exército, todos os generais da ativa (Exército, Divisão e Brigada) o que, de certa forma intimidou o Pres da República que, de imediato, enviou um bombeiro para apagar o fogo, mantendo o Gen Gleuber no cargo, salvando-se todos.
- Durante o governo do PT, de triste lembrança para os militares, em momentos diversos, eles promoveram reposição salarial LINEAR para os militares, da seguinte forma:
- Ano de 2005 – Governo Lula – Reposição de 13% em outubro de 2005 e 10% em agosto 2006.
- Ano de 2006 – Governo Lula – Reposição de 47,19%, escalonado até julho de 2010.
Obs. : Só como informação, para o funcionalismo civil, nesse mesmo período, Lula concedeu reajustes que foram praticamente o dobro dos que foram aplicados aos militares.
- Ano de 2012 – Governo Dilma Rousseff – Reposição de 30%, – 01º de março de 2013 – 9,2%, 01º de março de 2014 – 9,2% e 01º de março de 2015 – 9,2%.
- Ano de 2015 – Governo Dilma Rousseff – Reposição de 27,5% escalonados em 04 anos.
Isto posto, finalizo com as seguintes considerações:
- A atual reestruturação da carreira dos militares, mesmo que justa é extremamente inoportuna, pois ela, em última análise, beneficia um universo seleto e bem reduzido, tornando-a assim, extemporânea na acepção da palavra.
- Faltou, em alguma medida, sensibilidade e estoicismo a quem de direito.
- Aos olhos da sociedade civil, que assistiu a cenas dignas do homem de Neandertal com as sérias discussões nas diversas comissões em que o então Projeto de Lei tramitou, ficou a impressão de que assistia a verdadeiros gladiadores, sem entender o âmago do assunto, quiçá, até alguns parlamentares.
- Ficou a impressão de que militar leva uma vida nababesca, o que não é verdade. Sempre foi possível que se vivesse uma vida condigna, sem qualquer tipo de ostentação.
- O momento político da atual quadra dificilmente se repetirá, condenando a massa da tropa a, como sempre, aguardar por dias melhores.
- Capitão do Mato, é o que não devemos ser uns com os outros.
- Quer conhecer verdadeiramente o homem, basta dar-lhe o poder.
Teófilo Fabiano Lima de Oliveira é tenente-Coronel R1 de Infantaria.