A judicialização da política e a politização do judiciário
Por: Matheus Scalco.
O desvirtuamento do princípio da separação dos poderes.
A principal pretensão deste artigo é suscitar uma reflexão sobre o tema, com a finalidade de entendermos como ocorre a interferência mútua entre os Poderes existentes no Brasil, bem como identificarmos pontos positivos e negativos decorrentes desta situação no âmbito nacional.
Vivemos num país onde os Poderes Políticos e Jurídico engalfinham-se a todo o momento pela disputa do título de “quem pode mais”.
Em verdade, a Judicialização da Política passa a ser a necessidade de um povo, quando os demais Poderes Políticos deixam de apreciar e tratar sobre determinada matéria. Entretanto, nem sempre tal interferência vem a ser positiva, como exemplo, casos em que o membro do Poder Judiciário se deixa levar por questões políticas, pessoais ou, ainda, de cunho social (dando margem, por exemplo, ao ativismo judicial), vindo a extrapolar seus limites funcionais, além de outras situações que possam vir a combalir a imparcialidade de uma decisão Judicial.
Noutra rama, a Politização do Judiciário, deriva da situação em que os próprios cidadãos elegem os membros dos Poderes Políticos, que por sua vez, indicam e aprovam os membros do Poder Judiciário, sendo este o aspecto positivo, tendo em vista que ao menos na teoria, tal situação é considerada reflexo da democracia. Todavia, sob um aspecto negativo, fica demonstrado que em razão do membro do Poder Judiciário ter sido indicado ao cargo pelos Poderes Políticos, o mesmo poderá vir a se desvirtuar em prol de quem o indicou, como forma de “gratidão” ou até mesmo para “devolução do favor” ao Poder Político.
Após toda a demanda intelectual, com a prestação de “serviços sociais/comunitários” (porque tamanha relevância social de seus pensamentos e ensinamentos), Platão, Aristóteles, Montesquieu, John Locke, entre outros de tamanha importância para a consagração do princípio da separação dos poderes (cada um em seu tempo e forma, mas todos de extrema importância), chegamos ao cenário atual Brasileiro. O que era para ser garantia da democracia, deveras, se tornou a polarização do país canarinho como se vê atualmente.
A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA:
A expressão “Judicialização da Política” advém do sentido de que algumas decisões, que por sua natureza, caberiam aos Poderes Políticos, como é o caso do poder Executivo e Legislativo, por alguma razão, são levadas para serem tomadas pelo Poder Judiciário, chegando até o máximo judiciário brasileiro, o Supremo Tribunal Federal.
Como há de se observar, a rama Política é muito mais ampla do que imaginamos. Dentro desta explanação é possível perceber que quando o assunto envolve Política, também envolve saúde, educação, transporte, segurança, etc.
Ocorre que tal situação, se não apreciada com necessária cautela, tem graves chances de ultrapassar seus limites constitucionais e atingir o denominado status de ativismo judicial. E esta diferenciação, superficialmente, se dá por meio da forma como e por que o Judiciário vem a interferir nas funções do poder Executivo e Legislativo.
A Judicialização da Política é muito mais um evento de cunho cultural do que qualquer outra situação. A cultura dos povos, conforme decorre o tempo, sofre – necessariamente – avanços que devem ser acompanhados pelos poderes, como garantidores dos direitos fundamentais e do equilíbrio entre Estado e Povo. Decorre, portanto, do atual modelo Constitucional brasileiro, principalmente considerando que o “o Direito é atrasado” (professor Pós Doutor e Advogado Jesualdo de Almeida Junior, em uma de suas aulas no curso de Direito na Fundação Educacional do Município de Assis – FEMA).
Não como forma de gerar uma situação pejorativa ao Direito, uma vez que é essencial para a vida em sociedade, mas sim, como meio de esclarecer casos em que o Poder Legislativo, encarregado de criar as leis, não tem previsibilidade para antecipar todos os casos que serão motivos de regulamentação – e aqui menciono a tese que reconheceu como fato atípico o aborto terapêutico de fetos anencéfalos, situação declarada pelo Supremo Tribunal Federal, na apreciação da ADPF 54.
O ativismo judicial por sua vez, também é um fenômeno onde o Poder Judiciário interfere nas funções dos Poderes Políticos e, para tanto também deve ser provocado. Não pode, contudo, ser confundido com a Judicialização da Política.
Ao contrário da Judicialização da Política, que tem como característica a falta de escolha do Judiciário em solucionar o problema, por se tratar de um “evento cultural democrático”, o ativismo judicial ocorre diretamente quando o Judiciário interfere na tomada de decisões Políticas, por “própria vontade”, como se o Poder Judiciário manifestasse sua própria vontade política.
Evento conhecido no meio dos acadêmicos de Direito, que ilustra a tese de ativismo judicial, é o ilustre caso do Município de Mira Estrela, no Estado de São Paulo, que deu causa à famosa “PEC dos Vereadores”.
Na ocasião, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), da pequena cidade de Mira Estrela propôs ação competente, contra o mesmo Município, visando reduzir os cargos de vereadores do número de 11 (onze) para 09 (nove).
Quando a demanda chegou até o Supremo Tribunal Federal, no ano de 2002, por este Órgão Judicial foi elaborada uma tabela prática, embasando proporcionalmente a quantidade de habitantes versus o número de vereadores, sendo que este segundo deveria seguir conforme a quantidade do primeiro.
Agindo assim, o STF passou a exercer função Legislativa, uma vez que determinou uma regra a ser seguida. Ou seja, estabeleceu “como lei”, ou com o peso de uma, um número certo de vereadores por quantidade populacional, por intermédio de uma tabela, quando deveria tão somente esclarecer se a criação da Lei pelo Legislativo do Município de Mira Estrela, que aumentava o número de vereadores, era Constitucional ou Inconstitucional.
Daí, com sentimento de ofensa, os Legisladores prontamente criaram o Projeto de Emenda Constitucional 333/04, popularmente conhecido como a “PEC dos Vereadores”, cessando a extrapolação dos limites estabelecidos por parte do STF.
Caso semelhante acontece com relação às decisões do Supremo Tribunal Federal no tocante a possibilidade de início da execução criminal após confirmação da condenação em 2º grau. A história se repete. E não tão rápido, após a nova decisão da Suprema Corte, a CCJ já da andamento em Projeto de Emenda Constitucional para tornar lei o início da execução da pena após confirmação pelo Tribunal de segunda instância. Frisa-se a frase do Professor Pós Doutor Jesualdo de Almeida: “O direito é atrasado”.
Assim, temos que a judicialização da política é evento de cunho cultural, decorrente da própria leitura do texto Constitucional, não se confundindo com o ativismo judicial, que nada mais é do que o Poder Judiciário extrapolando seus limites constitucionais em prol de interesses determinados.
A POLITIZAÇÃO DO JUDICIÁRIO:
Se a Judicialização da Política é uma forma onde o Poder Judiciário vem a suprir a omissão advinda por parte dos Poderes Políticos, desempenhando um papel de garantidor dos direitos fundamentais dos cidadãos e, consequentemente da democracia, a Politização do Judiciário, por sua vez, nada mais é que a tentativa – e muitas vezes abastada de êxito – dos Poderes Políticos em dominar o Judiciário, a fim de que sejam beneficiados em seus atos, que certamente engloba a tentativa de fuga de eventuais punições que possam vir a sofrer pelo Poder Julgador.
E a forma que tal situação ocorre é bem conhecida pelos brasileiros. A corrupção está inserida (infelizmente) no cenário atual, onde não é incomum ouvirmos notícias de compra de votos e sentenças, indicação para cargos como o quinto Constitucional nos Tribunais Estaduais, bem como indicações do Presidente da República para os cargos de Ministro do Supremo Tribunal Federal, trocas de favores, etc.
Em suma, o Poder Executivo é encarregado de “premiar” alguém ao cargo máximo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, sendo certo que este “premiado” é quem será competente para julgar as demandas (principalmente criminais) daquele que indicou.
A CRIAÇÃO DO 4º PODER: O PODER POLÍTICO-JUDICIÁRIO.
O poder Político-Judiciário existe no Brasil, como sendo a junção dos poderes Políticos (Executivo e Legislativo), com parcela corrompida do Poder Judiciário.
Neste cenário Político-Jurídico Brasileiro, podemos concluir que, o que existe atualmente é uma luta travada entre os Poderes Políticos contra o Poder Judiciário, uma vez que, são conhecidos os episódios em que houve a Politização do Judiciário, e outros casos em que essa Politização não fora eficaz o suficiente para atender o interesse dos democraticamente eleitos pelo uso desvirtuado da retórica.
Chegamos a um ponto onde a ideia de freios e contrapesos caiu por terra. Passou a ser mais um “cada um por si”. Especialmente quando o assunto é a Separação dos Poderes e o domínio da trias política.
Daí insurge a questão da Politização do Judiciário, sendo certo que encontram nesta circunstância, uma forma de manter-se superior ao Poder Judiciário, uma vez que nada mais enfraquece um Poder, do que ter dentre seus cargos mais elevados, aquele ou aqueles, corruptos capazes de tomar decisões que buscam tão somente o interesse da Classe Política.
Em nada adianta termos juízes de primeira ou segunda instância aptos a combater a corrupção e, em contrapartida, termos dentro de nosso Tribunal Constitucional, aquele “comandante” capaz de utilizar de interpretações distorcidas, venda de votos, favores, em prol daqueles que disseminam a corrupção.
Por fim, passamos a vislumbrar a hipótese em que “no campo de batalha”, iniciou-se uma árdua guerra entre o Poder Judiciário Originário versus o mais novo poder existente, o Poder Político-Judiciário.
Fonte: JUSBRASIL