Por: Paulo Cordeiro Saldanha
Estamos em 2130! Guajará-Mirim vive o seu boom por conta da expertise de seus brilhantes executivos e recolhe bênçãos sócio-econômicas em face do sucesso de sua pujante economia agrícola e industrial associada à sua desenvoltura tecnológica, o que favorece a sua integração a outros mercados tão avançados e competitivos quanto ele. Tanto que nem damos bola para o país a que estivéramos umbilicalmente ligados anteriormente, conhecido como Brasil.
Tão avançados já estávamos que o tele transporte passou a ser utilizado pelos mais afortunados financeiramente.
Ocorre que o Império guajaramirense evoluíra tanto que o Chile passou a cobiçar nossas terras, e, invadindo partes dos territórios argentino e boliviano, chegaram às margens do Mamoré tropas identificadas pelos satélites de última geração que pairam bem acima no nosso espaço sideral. Nossas forças terrestres, aéreas e marítimas, tão atentas, posicionaram-se com suas ogivas nucleares mirando Santiago ao longe, e também com barcos e veículos blindados, de olho nessas tropas inimigas aqui tão perto. Supersônicos utilizáveis derramavam chuvas de mísseis com munição explosiva de magneto hidrodinâmico via canhões eletromagnéticos e/ou outras armas que disparavam raios laser halógenos.
Destróiers da classe GYM, mais de cem, posicionaram-se em toda a fronteira, alguns com capacidade para interceptar mísseis balísticos de curto, médio e longo alcance. Vinte porta-aviões em toda a costa, digo, barrancos, demonstravam que estávamos preparados para o que desse e viesse…
Foi então que Felipe e Saulo apresentaram-se como voluntários ao Exército Guajaramirense com ânimo de defender e atacar. Na qualidade de oficiais da reserva como primeiros-tenentes, após um treinamento para readaptação iriam dirigir-se ao front.
No momento de embarcarem, Saulo e Felipe descobriram que haviam esquecido os seus cartões de identificação holográfica do Exército. Para identificá-los, tiveram que fazê-los passar num equipamento ultra moderno, uma espécie de ressonância magnética (MRI), combinada com um aparelho chamado de magnetoencefalograma (MEG), alimentado por raios iônicos e que estava disponível naquele embarque das tropas. Nesse instante, uma das usinas nucleares do pedaço sofreu uma avaria porque fora atingida por um petardo inimigo.
Naquele exato momento a energia que alimentava o aparelho teve uma queda e um solavanco, mas voltou quase imediatamente devido o equipamento de backup, entrando em atividade outra unidade numa fração de segundo. Porém, aconteceu o imprevisível: Felipe e Saulo foram duplicados dentro da máquina MEG devido a essa oscilação. Originais e cópias saíram da máquina meio zonzos, grogues e desorientados. Cada um, desvairadamente, seguiu na direção de um dos pontos cardeais. E sumiram uns das vistas dos outros.
Ocorreu que originais e cópias foram atingidos pelo distúrbio num grau tão elevado que os primeiros tiveram reações diametralmente opostas: aqueles dois ficaram muito mais valentes e intrépidos, e as cópias, assustadoramente covardes.
Felipe, o original, pegou um helicóptero no rumo do sul; Saulo, noutra aeronave, rumou em direção a oeste. A frente da batalha não os atemorizava. Satisfazia-lhes saber que iriam valer-se do lançador de granadas XM-25.
Saulo, a cópia, integrou-se à Marinha e enfurnou-se no contratorpedeiro Almirante Torito Eurácio. Porém, a maresia agredia tanto as suas narinas que lhe dava náuseas, daquelas comuns às mulheres grávidas. Tanto que se recolheu à enfermaria e nem lutou. Depois, já aplicava injeções nos militares feridos e em tratamento. Reclamava de dores lombares e fraqueza nas pernas…
Felipe, a outra cópia não melhorada, embarcando no submarino Cruz Rodriguez, corria no convés enquanto este não submergia nas caudalosas águas mamorenses, descabelando-se e lamentando a triste sina de ter sido convocado para uma guerra. Uma mancha escura nos fundilhos sinalizava que não segurara o esfíncter.
Enquanto isso, os originais ora lutavam com espada, punhal e sabre, ora atiravam nos inimigos e ajudavam a retomar para os bolivianos territórios conquistados pelos chilenos, no que eram apoiados pela tecnologia mais exacerbada cultivada pelas forças militares guajaramirenses.
Até que Felipe e Saulo, no teatro da guerra, já no altiplano boliviano, após conquistas e mais conquistas de terreno, viram os chilenos retrocederem. Debaixo de um frio de lascar, ambos os originais se reencontraram e festejaram esse acontecimento – a retirada dos chilenos e depois a rendição destes.
Vencida a guerra, as cópias, ricas pelo espólio decorrente da derrota dos chilenos e tendo sido teletransportadas para Iquique, já no Oceano Pacífico, também se encontraram, contando vantagens. E foram celebrar a vitória dos aliados Guajará/Bolívia num bar de um chileno que não concordava com as idéias expansionistas do seu povo e apenas desejava viver numa ‘nice’: nos braços da paz – que, aliás, deveria envolver todos os povos.
As cópias acabaram sendo presas pelo grupo dos já capitães Saulo e Felipe, os originais, quando deram a se conhecer entre si, pois eram a cara de um, focinho do outro. Ao se abraçarem, cópias e originais se fundiram. E o que foi lamentável: a covardia das cópias transferiu-se para os originais ante a intensidade das forças negativas que se expandiam naquelas duas falsas entidades, concorrendo para o pedido de baixa do serviço militar pelos dois originais, que passaram a gostar apenas de sombra, água fresca e jornais da letra grande…