Fronteira Fechada
Por: Jordão Demétrio Almeida
Nos últimos dias instalou-se em Guajará – Mirim/RO, um grave problema social-econômico, ante a paralisação das exportações/importações via porto oficial, que era realizado, em sua grande maioria, por pequenas embarcações.
O fato foi justificado pela entrada em vigor do Decreto Nº 99.704, DE 20 DE NOVEMBRO DE 1990, que dispõe sobre a execução no Brasil do Acordo sobre Transporte Internacional Terrestre, entre o Brasil, a Argentina, a Bolívia, o Chile, o Paraguai, o Peru e o Uruguai. O referido tratado internacional faz parte da política de integração da América Latina, iniciada com o tratado de Montevidéu, que criou a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI).
Nos termos da Convenção de Viena de 1969 (Tratado dos Tratados) em seu art. 2, par. 1, “a” estabelece que tratado “significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica”.
Um tratado internacional para ter vigência no Brasil deve observar o seguinte procedimento:
1 – Celebração (vontade de obrigar-se, expressa pelo Presidente da República ou por um plenipotenciário, em nome do Estado brasileiro);
2 – Aprovação legislativa (publicação do decreto legislativo pelo Congresso Nacional);
3 – Promulgação (o Presidente da República, mediante a publicação de um decreto, promulga o tratado aprovado pelo Legislativo, que passa, então, a ter vigência no Brasil).
No sistema jurídico nacional, a força hierárquica dos tratados internacionais em geral é idêntica à das demais normas primárias (em regra, o tratado internacional, ao incorporar-se ao ordenamento interno, faz com status de lei ordinária federal). Isso significa que:
1 – Os tratados internacionais internalizados, poderão ulteriormente ter sua aplicação afastada pela edição de uma lei ordinária ou até mesmo, por medida provisória, desde que não seja matéria vedada a essa espécie normativa;
2 – Os tratados internacionais não poderão disciplinar matéria reservada constitucionalmente à lei complementar.
Pois bem. No caso em análise, com a entrada em vigor do Decreto Nº 99.704, DE 20 DE NOVEMBRO DE 1990, as empresas que pretendam realizar transporte de carga (exportação/importação), deverão obedecer as regras traçadas pelo Tratado Internacional (Acordo de Alcance Parcial), os quais, passaremos a indicar, de forma resumida, ante a extensão do texto da avença internacional. Importante registrar, que o Brasil não fez reserva alguma em relação ao tratado (art. 1º do Decreto Nº 99.704/90), ou seja, o acordo deverá ser cumprido integralmente.
1 – Conforme o art. 2º do tratado, o transporte de passageiros e de cargas somente poderá ser realizado pelas empresas autorizadas, que estejam legalmente constituídas;
2 – Ligação por rodovia: corresponde às ligações diretas por caminhos sem solução de continuidade e a ligação de rodovias, por pontes, balsas, transbordadores e túneis (item 6 do art. 19 do tratado);
2 – A empresa deverá obter licença originária para realizar o transporte, outorgada pelo país em que seja sediada. Deverá também, obter licença complementar, ou seja, autorização concedida pelo país de destino ou de trânsito (itens 13 e 14 do art. 19 do tratado);
3 – Na operação de Trânsito Aduaneiro Internacional (TAI), a empresa deverá iniciar um procedimento de declaração e transporte aduaneiro (DTA), tudo instruído com o seguinte: declaração que a DTA esteja em ordem, que a unidade ofereça a segurança necessária, que as mercadorias transportadas correspondam em sua natureza e número àquelas especificadas na declaração, demais documentos necessários para realizar a operação (ANEXO I DO TRATADO – ASSUNTOS ADUANEIROS).
4 – Contratação de seguros e veículo ou embarcação autorizado pelo órgão competente – ANTT ou ANTAQ (ANEXO II DO TRATADO – SEGUROS);
5 – A mercadoria deverá ser devidamente vistoriada, procedimento que poderá ser por amostragem, e posteriormente, lacrada pela autoridade aduaneira (ANEXO I DO TRATADO – LACRES ADUANEIROS).
No bojo do tratado, existe, ainda, a previsão de cooperação administrativa entre as aduanas de partida, de destino e de passagem (entreposto aduaneiro).
Com efeito, denota-se, que o tratado busca integrar os países da américa latina com a modernização do sistema de fiscalização aduaneiro, trazendo maior segurança para a atividade econômica de exportação/importação, de extrema importância para a balança comercial do nosso país.
No entanto, com a entrada em vigor do tratado internacional em Guajará Mirim/RO, a realidade vivenciada está sendo outra, em sentido diametralmente oposto.
Dessa forma, doravante passaremos a tecer considerações, acerca de possíveis soluções para o caso, sob três aspectos: via diplomática, via político-legislativa e via judicial. Alerte-se, que são apenas opiniões para a boa reflexão sobre o problema.
1 – Via diplomática: o Brasil, sem denunciar o tratado, propor na ALADI um protocolo adicional ao tratado em questão para flexibilizar as exigências administrativas para as pequenas embarcações ou prorrogação do prazo para a implantação do novo sistema de fiscalização;
2 – Via político-legislativa: considerando a relevância e urgência do caso, a publicação de medida provisória suspendendo a entrada em vigor do tratado e fixando regras provisórias para as pequenas embarcações, até que sobrevenha legislação modificadora, lembrando que, os arts. 26 e 27 do Tratado de Viena não autoriza que os Estados Signatários legislem em sentido oposto aos ditames traçados pela acordo internacional, ou seja, os Estados podem até legislar a respeito do tema, entretanto, sem vulnerar a espinha dorsal do tratado;
3 – Via judicial: ao analisar o tratado em questão, verificamos, pelo menos em tese, alguns pontos inconstitucionais do tratado, a saber:
3.1 Violação do princípio fundamental dos valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa (art. 1º, IV, da CF/88), pois a nova política internacional não levou em consideração os reflexos sociais negativos na implementação da medida, impedindo ou até alijando muitos de exercer o trabalho, obrigando alguns trabalhadores a migrar para o quarto setor da economia (envolve atividade ilícitas – crimes);
3.2 Violação do objetivo fundamental da República de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, da CF/88), eis que, deveriam ser levados em conta todas as peculiaridades locais antes da implementação da medida, pois a efetivação do novo sistema aumentará as desigualdades sociais e consequentemente, a marginalização;
3.3 Nas relações internacionais, o Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações (Parágrafo único do art. 4º, da CF/88), ou seja, a criação de barreiras aduaneiras, a meu ver, não podem configurar um obstáculo intransponível para a integração da América Latina;
3.4 Violação dos seguintes princípios constitucionais econômicos (art. 170, da CF/88): livre concorrência, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego, e principalmente, tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país. Não é preciso uma grande reflexão, para concluir que o implemento da medida trará um efeito multiplicador negativo para a nossa região.
Oportuno, esclarecer ainda, que é obrigação do Estado reprimir o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros, ou seja, se configurado tais fenômenos, o Estado deverá intervir obrigatoriamente, como regulador da atividade econômica.
Por fim, registramos nossa imensa preocupação com o fato e torcemos para que a situação se resolva o mais rápido possível.
Jordão Demétrio Almeida é guajaramirense, servidor público de carreira da Prefeitura Municipal de Guajará-Mirim/RO desde 2011, exerce o cargo de Procurador Municipal, ex professor substituto do Curso de Direito da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) campus de Guajará-Mirim/RO, especialista em Direito Tributário pela Universidade de Araraquara/SP (UNIARA), advogado militante na área criminal.
Fonte: Portal Guajará/À Pérola do Mamoré