REVISTA SOCIEDADE MILITAR
Projeto de Lei 1645/2019 – Uma ferida que sangra
Em 20 de março de 2019, quando ainda comemorávamos a posse de um Presidente de origem militar, toda a categoria castrense surpreendeu-se com a apresentação, por parte do Poder Executivo Federal, do Projeto de Lei n.º 1645, que versa sobre a “Reestruturação do Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas”.
Tal projeto busca familiaridade com a Reforma da Previdência, legada ao público civil.
Da mesma forma que esta, sabíamos de antemão que a reestruturação dos militares englobaria sacrifícios para todos os componetes das Forças Armadas. Mas também sabíamos que essa realidade de sacrifícios não seria nova para nós, afinal de contas, todos aqueles que adentraram nas FFAA nos últimos quarenta anos, acostumaram-se a suportar as inúmeras crises financeiras enfrentadas pelo país, quando os primeiros e mais profundos cortes orçamentários eram legados aos militares.
Acostumamo-nos a ouvir de nossos comandantes que “devíamos servir de exemplo”. E assim o fizemos. De governo em governo, de um plano econômico a outro, década após década, assistimos e suportamos o dilapidar da nossa condição salarial. Chegamos a ficar 08 (oito) intermináveis anos sem uma única correção em nossos vencimentos. Ano após ano vimos nosso poder aquisitivo ser diluído pela inflação, pelos sucessivos planos econômicos e pela inércia daqueles que tinham o dever de nos proteger e de dar voz às nossas necessidades.
Atonitamente assistimos, em 2001, a publicação da Medida Provisória n.º 2.215-10/2001, que derrubou por terra vários direitos inerentes aos militares que tínhamos como “inalienáveis”, dentre outros, o adicional de tempo de serviço, a licença especial, o auxílio moradia, a percepção dos proventos do posto acima na inatividade e a pensão para as filhas. Devido a esses inúmeros malefícios legados aos militares, essa Medida Provisória ganhou a alcunha de “MP do Mal”.
Apesar das restrições impostas pelo Art. 62 da Constituição Federal (que explicita que o prazo de vigência de uma MP é de sessenta dias, prorrogáveis uma vez por igual período), e de jamais ter sido votada na Câmara dos Deputados ou o Senado Federal, a citada “MP do Mal” ganhou, graças ao Decreto n.º 4.307 (publicado em julho de 2002, ou seja, SETE MESES após a data limite de sobrevida da MP), status de “Lei” e hoje, dezoito anos após sua publicação, continua a produzir seus malignos efeitos.
Mas, ao elegermos um Presidente que por inúmeras ocasiões, depôs contra a “MP do Mal”, renovamos nossas esperanças de vê-la inabilitada e seus efeitos tornados nulos.
Entretanto, antes mesmo de vislumbramos quaisquer evidências dessa ansiada ação, recebemos a notícia da apresentação do PL 1645 que, ao longo de seus 25 Artigos e sete anexos, nos apresentou surpresas não menos desagradáveis daquelas proporcionadas pela “MP do Mal”.
Como “surpresa desagradável”, não nos reportamos ao aumento de 30 para 35 anos de tempo mínimo de serviço para que o militar possa efetuar seu pedido de transferência para a Reserva Remunerada; nem no aumento da idade limite para “Reserva Compulsória” (ex officio), tão pouco no aumento do valor da contribuição da Pensão Militar (tanto para ativos, inativos e pensionistas); pois essas e outras mudanças podem fazer parte da na nossa cota de contribuição para as metas de economia do atual Governo.
Todavia, o que mais nos tem trazido preocupação, são aquelas medidas que, mesmo de forma não intencional, desagregam as camadas que compõem a hierarquia militar, levando desamparo às camadas mais baixas dessa estratificação, e aqui cito, de uma forma geral, os graduados.
Dentre essas medidas menciono o Adicional de Habilitação (Art. 8º e Anexo III) que, ao se sustentar com valores diferenciados para os variados cursos, cria um abismo entre os proventos de Ativos e Inativos, principalmente no tocante à criação dos chamados cursos de “Altos Estudos” (I e II), que só poderão ser alcançados por (parte) daqueles que estão na Ativa, alijando de seus benefícios aqueles que já se encontram na inatividade, acabando com a paridade de remuneração entre Ativos e Inativos.
Nesse aspecto em particular é necessário citar que os Suboficiais que se encontram atualmente na Reserva Remunerada ou Reformados, realizaram todos os cursos que lhe estavam disponíveis em seus tempos de atividade, cumprindo, dessa forma, os requisitos necessários para a percepção das gratificações que hoje fazem jus. A criação dos “Altos Estudos” não pode, num primeiro entendimento, discriminar financeiramente aqueles que não tiveram a opção de realiza-los.
Outra situação crítica fica a cargo da “Gratificação de Representação”, legada, segundo o Art. 9º, apenas aos Oficiais Generais (que levariam essa gratificação para a inatividade) e, em caráter eventual, a alguns oficiais e outros militares em casos muito específicos (que não levariam essa gratificação para a inatividade). Nesse ponto é importante lembrar que todo o militar que utiliza uma farda “REPRESENTA” a Força que lhe empresta a cor, ou seja, até o soldado mais raso representa a Arma que serve. E essa representatividade acompanha o militar mesmo após sua passagem para a inatividade, pois ele (militar) continua a ser um exemplo de comportamento e referência para sua comunidade na inatividade. Por qual motivo, então, não fazer uso também dessa gratificação?
Também não entendemos o motivo dos valores dos soldos estarem diretamente vinculados à hierarquia militar. Eu explico: por qual motivo um Aspirante a Oficial, com cerca de 21 anos, profissionalmente inexperiente, ainda sem família para sustentar, deve perceber um soldo maior que um Suboficial que possui, no mínimo, 21 anos de serviços prestados, grande experiência na área em que atua, sendo responsável por boa parte da execução das tarefas dos setores que lhes são afetos (manutenção de aeronaves, instrução, controle e gerenciamento de tráfego aéreo, etc) e ainda, com família para sustentar? É interessante citar que, dentro das devidas atribuições, as responsabilidades, tempo de serviço, experiência e idade, um Suboficial recém-promovido equipara-se a um Major. Forças Armadas de vários países desenvolvidos (dentre eles os Estados Unidos e Israel), legam esse trato aos seus militares.
O escalonamento, da forma em que se encontra no PL 1645, com todas as gratificações e adicionais, fará com que um Oficial General tenha um aumento em seus vencimentos brutos na ordem de R$12.000,00 (doze mil reais) entre 2020 e 2023, enquanto um 3º Sargento, dentro do mesmo período, terá um aumento de R$229,00 (duzentos e vinte e nove reais).
Não negamos aqui o nível de responsabilidade de um Oficial General, nem o reconhecimento do merecimento a vencimentos de valores que superem os trinta mil reais, mas entendemos que guardadas as proporções, todos da estratificação militar merecem tratamentos equivalente e proporcional.
Resumindo, graças às disparidades nos valores dos vencimentos, o PL 1645/19, cria separações entre o corpo de militares da Ativa (Oficiais e Graduados); entre os militares da Ativa e da Reserva (principalmente entre os graduados) e entre os militares de mesmo posto e graduação das três Forças – Exército, Marinha e Aeronáutica).
Ou seja, o PL 1645/19 está conseguindo fazer aquilo que nem a esquerda conseguiu fazer ao longo dos anos: dividir os componentes das Forças Armadas – que formatam a instituição de maior credibilidade junto ao povo brasileiro.
Esse Projeto de Lei está agora a cargo da Comissão Especial da Câmara dos Deputados.
Através de notícias advindas de diversos parlamentares, temos o conhecimento que, em nossa tentativa de aprimorar o PL 1645 com nossas propostas, estamos diante de uma luta extremamente desproporcional, pois há muito, oficiais do Ministério da Defesa têm efetuado permanentes contatos com os diversos parlamentares, apresentando-lhes a ideia de que o PL 1645 é bom para todos os militares.
Por outro lado, somos alguns poucos que, em sua grande maioria, por meios próprios, viajamos para Brasília para bater de porta em porta, de gabinete em gabinete, tentando explicar aos congressistas que, nesse processo de discussão de “Proteção Social”, não podemos ser divididos em “Oficiais Generais” e “Graduados”, em “Coronéis” e “Tenentes”, “Ativos” e “Inativos”, ou ainda, em “Exército”, “Marinha” e “Aeronáutica”, pois formatamos uma única e grande tropa, SOMOS TODOS SOLDADOS DA PÁTRIA!
Pode ser que não consigamos o êxito em nossas demandas dentro do assunto que envolve o PL 1645, mas jamais deixaremos de tentar. Acreditamos que somos uma ÚNICA TROPA, e que o tratamento que se der a um, deve ser dado ao todos, pois isso sim é o que podemos chamar de “justiça social”, pois é com esse tipo de tratamento isonômico que vimos formatar dentro dos quartéis o espírito de companheirismo e dos princípios norteadores da honra, da moral e do caráter que edificaram nossas vidas.
Lutamos muito para garantir que um Presidente, honesto e livre de escusas amarras, chegasse ao poder, e confiamos que esse nosso representante ainda se manifeste a favor da tropa que o elegeu.
Os princípios da hierarquia e disciplina estão arraigados em nossa existência, como também o estão os direitos garantidos pela Carta Magna, da qual somos defensores diretos.
SOMOS MILITARES, e nos orgulhamos de fazer parte das histórias de nossas Forças!
FABRÍCIO DIAS JUNIOR – SO R1 FAB / Presidente da Comissão de Políticas Públicas da A.M.I.G.A.
Publicado em Revista Sociedade Militar