O PASSADO
CRÔNICAS GUAJARAMIRENSES
Por: Paulo Saldanha
Era uma vez, como nos contos de fadas, o passado veio lá do centro da cidade, trêmulo, cambaleante, já quase vencido pela idade e procurou sentar-se num dos bancos da Praça Mário Correia, ali bem perto do Coreto. Com um guarda-chuva na mão, encostou o queixo no cabo, olhou ao derredor e viu que poucas pessoas se movimentavam naquele entorno. Lembrou-se que nos anos 50 e 60 ali pontificavam os rapazes e as mocinhas. Muitos namoros naquela praça tiveram começo, ao cair das tardes de domingo.
O passado olhou mais adiante viu a Igrejinha e a antiga Prelazia, recordou-se de Dom Rey e de todas as suas ações, objeto da sua tenacidade, da sua elevada credibilidade e determinação. Ainda envolto nas suas lembranças, eis que o Presente, moço ainda, do alto da sua motocicleta de 500 cilindradas, fazendo aquele barulho que ofende os ouvidos sensíveis, subindo a calçada, de forma indisciplinada, freou lá perto de onde o passado se encontrava sentado.
–E ai, Velho, saiu da casca hoje, heim?
–É, meu filho, caminhar faz bem, assim como as lembranças que aqui neste lugar eu procuro eleger para aquecer esse meu pobre coração!
–Mas que lembranças essas para comover tanto uma pessoa assim como você? Era o presente querendo conhecer a intimidade do Passado.
–Meu jovem amigo, é que nesta Praça eu assisti comícios, show de artistas, inclusive do Luiz Gonzaga; por aqui passavam as pessoas que iam ao cine Guarani ou dele saiam após assistirem aos filmes. Havia muito movimento! Veja agora, não fosse a Loteria e a Santa Missa, o movimento, se é que ainda existe, se deslocou deste abençoado lugar…
–Mas a vida é assim mesmo! A televisão mudou os hábitos, a cidade caminhou para outros pontos cardeais, a juventude buscou outras alternativas, os valores são outros!
–Mas os princípios deveriam ter sido mantidos, quer um exemplo? Quando a cidade era menor tinha seus clubes sociais (O Guajará, o Helênico Libanês, o Cruzeiro, o Cabos e Soldados), dois cinemas, peças teatrais, banda de música, agremiações de futebol. E agora meu jovem, prezado Presente? Era o Passado, tão lúcido, a interpretar aqueles tempos.
–Bem, eu lhe disse os tempos são outros…
–Sim, são outros, mas os princípios que norteavam a geração antiga lhes foram legados, a partir das dificuldades que foram vencidas, em cima da vontade cívica, do idealismo e da determinação de alguns, ao contrário do que você, Presente, que só sabe repetir: “os tempos são outros”! Veja, há empresas tão capitalizadas que eu, o Passado, não via naquele tempo. A comunicação flui na intensidade de uma viagem de 3 a 4 horas até a capital, uma pista de pouso asfaltada que pode receber jatos, a telefonia e a televisão a unir os povos, em tempo real, isto sem falar na Internet… Até a capital Federal está ali! E apontou com o dedo, em direção a Brasília.
–Mas querido Passado no apogeu da borracha os seringalistas ganhavam os tubos e alguns ainda obtinham lucros com a castanha, com a Ipeca e até com o courodeanimais…- Sim, e hoje você imagina que essas empresas que se instalaram operam no vermelho? Há uma diferença, prezado Presente: é que naquele tempo, os lucros eram também canalizados pelos mais afortunados da cidade, objetivando ajudar o poder público na ampliação da oferta de melhor qualidade de vida, através das contribuições que alguns abnegados faziam, após pagar os impostos devidos, porém, visando o desenvolvimento social da cidade, berço dos seus negócios, sede das suas vidas e síntese do seu amor cívico em direção ao progresso e ao desenvolvimento.
–Mas, respeitável Passado, ocorre é que esse tempo passou…
–Passou por quê? Você acha bonito ver o Guajará Clube fechado para os seus sócios, o Helênico curvado pelo abandono, o Cruzeiro vendido, derrubado, após uma negociação realizada na calada da noite, quando a maioria dos sócios nem sabia que o Clube que ajudaram a erguer já não lhes pertencia? Você acha lindo, o Cine Guarany com o telhado no chão, quando ali, se comprado pelo poder Público, poderiam adaptá-lo para ser o Teatro Municipal da cidade; E o civismo, meu caro Presente? E o civismo? E a reverência aos mais velhos, aos Mestres?
–Do que o senhor se queixa, caro Passado?
–Eu me queixo da necessidade que o nosso jovem tem de saber reverenciar a Bandeira brasileira, conhecer os quatro hinos oficiais do País, com a devoção que se observa noutros povos, cantar o hino de Rondônia com o fervor daqueles que se sentem orgulhosos de terem nascido ou de viverem aqui, enfim, de uma mudança até no tratamento de que deve dar aos Professores, hoje chamados de tios e tias, esses Mestres, que ainda continuam ganhando tão pouco, para um trabalho de maior envergadura, que é educar transformando gente nova, em críticos que raciocinam, e nos cidadãos do futuro…
Neste instante, o Futuro foi chegando, pois se achava atrás do Coreto ouvindo aquele diálogo; o Presente, pedindo desculpas, saiu de fininho, dando um tchau, acompanhado de um sorriso amarelado. Pouco contribuiu para com o Futuro. Aquele encontro não lhe faria bem, pensou!
–Boa tarde, senhor Passado, desculpe-me, mas eu ouvi o seu desabafo. O senhor está certo! Os professores não devem ser chamados de tios ou tias. Devem e merecem receber o tratamento que se devota ao Magistrado…
–Que bom ouvi-lo caríssimo Futuro. Assim que se fala! Eu posso acreditar que ainda teremos salvação, a partir de jovens com essa maturidade…
–Nós agora estamos nos unindo, já temos um grupo musical se apresentando, outro núcleo de jovens vai liderando um grupo teatral e os bois bumbás continuam íntegros (?)… Afinal, “quem sabe faz a hora não espera acontecer!”
O Passado, lamentando a fuga do Presente recebeu um choque de otimismo com essa conversação com o Futuro. E viu que havia salvação!
O Passado, trêmulo e cambaleante, quase vencido pela idade, se levantou e foi caminhando com um leve sorriso nos lábios, pois observou que ainda havia a esperança, o elo entre as dificuldades e a superação e, voltando-se, olhou com os olhos brilhantes para o Futuro, deu-lhe um adeus, pois enxergou e sentiu que não “tinha atirado pérolas aos porcos…”
Fonte: Paulo Cordeiro Saldanha