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A “Mão Amiga” do Exército foi quem empurrou os patriotas para a boca do leão, diz sociólogo


REVISTA SPCOEDADE MILITAR

Oito de janeiro, o dia que não terminou

“… milhares de pessoas arrebanhadas via celular, não conseguiram enxergar que elas eram o exército da intervenção. Desprovidas de senso crítico mínimo, não perceberam que quando iam para Brasília naquele domingo, dia 8, estavam sendo atiradas na boca do leão…”

Em artigo recentemente publicado na Revista Sociedade Militar, o sociólogo Robson Augusto, que além de militar da reserva é jornalista, conhecedor, portanto, dos meandros do poder político/militar há muitos anos, argumenta que teria havido, sim, omissão das mais altas autoridades militares em relação ao vandalismo ocorrido no dia 8. Mas ele aponta também algumas nuances.

Longe de tecer teorias mirabolantes sobre a superinteligência dos generais, ele lembra também que muitos dos que lideravam os grupos bolsonaristas eram “ex-militares do efetivo variável, que serviram um ou dois anos às Forças Armadas e se vestem quase sempre com roupas camufladas”. Essa observação pode ser comprovada em filmagens veiculadas nas redes sociais no decorrer do governo Bolsonaro. Passaram a se tornar recorrentes nas redes vídeos de senhores grisalhos marchando em formação militar, uniformizados, cantando hinos militares e gritando palavras de ordem – alguns, inclusive flertando com a violência discursiva. Quem arregimentava essas pessoas, que não necessariamente eram “terroristas” – como estão sendo chamados – mas, talvez saudosistas do regime militar e psicologicamente suscetíveis, muito provavelmente eram esses ex-militares e mesmo alguns militares de carreira da reserva.

Um dos erros da democracia brasileira foi não ter estabelecido o que se conhece como justiça de transição, na passagem (até certo ponto pacífica, mas permeada de tensão) da ditadura militar para a república renascida em 1985. A letra da Lei Magna brasileira chegou a imprimir essa leniência num de seus artigos que possivelmente é um dos mais buscados no Google nos últimos anos. Mais do que uma aberração jurídica ou um mero deslize do constituinte originário, o art. 142 da Constituição da República é uma evidência de que os militares não abandonaram totalmente o protagonismo político, e, se aparentemente o fizeram, não foi sem antes deixar esse dispositivo bomba de efeito retardado que um dia poderiam usar a seu favor.

Imagem: Marcelo Camargo EBC https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2023-01/moraes-mantem-prisao-de-mais-386-investigados-por-atos-golpistas

Durante meses a possibilidade de uma intervenção militar foi nutrida como se alguém diariamente e em pequenas quantidades enchesse uma represa e jamais lhe desse a mínima vazão. Por meses, até o dia das eleições, e depois dele de forma mais acentuada, o clima foi de uma guerra iminente. Mas, onde estavam os soldados dessa guerra? Quem era o comandante desse exército? O presidente da República, o megafone oficial da desordem, não foi contra os acampamentos em frente aos quartéis; os generais, até então, figurinhas populares na mídia, repentinamente tornaram-se moças recatadas e arredias.

Ainda segundo o artigo em questão, grande parte da oficialidade na ativa teria sido o amortecedor entre o comportamento cínico e omisso dos comandantes e a tropa, sobre a qual nunca ninguém sabe exatamente o que pensa. É bastante possível que, dados a faixa etária e o nível de escolaridade dos militares atualmente (muito diferente de cinquenta anos atrás), poucos na ativa vissem com bons olhos a ideia de uma ação golpista clássica vinda dos comandantes. Mas, aqui patinamos no terreno instável das teorias. Sobraram amortecedores ou faltou torque no motor?

Olhando de fora, o mundo dos bolsonaristas radicalizados parece coisa de louco, mas pode-se observar que esse mundo paralelo tinha uma “ordem” tosca, uma estrutura em torno da qual o 8 de janeiro era justificável. Havia a demanda material, o “código fonte”; havia a “fundamentação” jurídica da intervenção, o famigerado art. 142; havia o esteio moral – “o ladrão não pode subir a rampa”; a muleta religiosa, o “mito” que seria reempossado nos braços do povo de bem; e por fim os executores da intentona bolsonarista: as Forças Armadas.

De fato, tudo se resumia à intervenção violenta dos militares. Todo o resto era perfumaria barata para dar um verniz de civilidade aos anseios da horda, que como se viu, era tudo menos ordeira.

Iludidos pelo discurso repetido à exaustão, uma verdadeira cornucópia de mentiras contadas por jornalistas, políticos, militares (esses mais comedidos, mas nem por isso menos falsos) milhares de pessoas arrebanhadas via celular, não conseguiram enxergar que elas eram o exército da intervenção. Desprovidas de senso crítico mínimo, não perceberam que quando iam para Brasília naquele domingo, dia 8, estavam sendo atiradas na boca do leão.

É zombar da inteligência mediana sustentar que as altas autoridades políticas e de segurança pública em Brasília e nos Estados ignoravam o que estava por vir. Conforme avançam as investigações (reportagem do Intercept tem mais detalhes), não há mais como ocultar a “mão amiga” e sorrateira do Exército brasileiro no suporte discreto ao 8 de janeiro. O fato é que os grandes mentores, sejam políticos, sejam generais, fazem jus às suas vocações primeiras. Uns vivem de convencer multidões desmioladas de que devem morrer pela pátria e viver sem razão, sendo que pátria é nada mais do que um conceito socioeconômico – todos os ricos são apátridas, quem morre nas guerras são os pobres; os outros se especializam em manietar as mesmas multidões e sem o menor constrangimento fazer delas moeda de troca política, mesmo às custas de violência evitável.

Entramos agora na prorrogação do 8 de janeiro. Independentemente de serem oficiais da cúpula ou ex-militares os “cérebros” por trás dos atentados, a política brasileira (tão ou mais suja do que os generais) precisa seguir em frente, mas não pode repetir os erros de 1985, sob pena de a cada trinta anos termos de reinventar a roda quadrada chamada Brasil.

Texto de colaborador militar, que por razões obvias prefere o pseudônimo: Assina: Fabiano E. Merito


Edmilson Braga - DRT 1164

Edmilson Braga Barroso, Militar do EB R/1, formado em Administração de Empresas pela Universidade Federal de Rondônia e Pós-graduado em Gestão Pública pela Universidade Aberta do Brasil.

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