Crônicas Guajaramirenses

O PATRIARCA TORIBIO VILLAR E FORTUNATO BONACHÃO


CRÔNICAS GUAJARAMIRENSES

Por Paulo Saldanha

 O Paulo Cruz Rodrigues, um dia me provocou com o mote “por onde anda minha saudade”. E eu respondo: anda aqui, caríssimo amiguinho. Hoje, assim como ontem, continuará amanhã sempre que recordo da nossa juventude, que jamais foi transviada e sim responsável, idealista, politizada e bem humorada.

As saudades batem forte quando recordo de pessoas e de “causos”. Pessoas, por exemplo, como Quintino Augusto de Oliveira – que o município de Guajará-Mirim esqueceu de valorizar – além de outros como o Toríbio Villar, que ganhou de mim, pelo menos, duas crônicas, reconhecendo-lhe a qualidade moral, cidadã e empresarial, como filho e habitante deste abençoado lugar.

Já escrevi sobre o Toríbio Villar, possuidor de uma personalidade inteligente e sagaz, um talentoso homem de negócios. Um cidadão, pode-se dizer, adiante do seu tempo. Trouxe o primeiro ônibus para o município e abriu uma linha Guajará-Mirim/Iata.

Esse “menino prodígio” era afilhado de meu tio-avô, o coronel Paulo Cordeiro da Cruz Saldanha, que lhe deu o primeiro emprego, estimulando-o a ser o homem vencedor que foi como funcionário da então Guaporé Rubber Company e, depois, empresário revolucionário, intrépido e criativo.

O Paulinho Cruz, também saudosista e prestando uma reverência ao Toríbio, recorda de fatos que eu, agradecendo-lhe pela oportunidade, passarei a relatar. Eis sua narrativa:

“Toríbio era uma pessoa de raros conhecimentos (fazia cálculos de cabeça mais rápido do que o Estácio Lopes Gusmão, outro talento de geração mais recente, alcançava na velha e saudosa calculadora mecânica Facit). Estácio nunca lhe ganhou uma!

Ele tinha diversas manias (hoje, para os modernos, “TOC”). Não saía de casa com o pé esquerdo de jeito nenhum, além de costumar fazer as recomendações de praxe aos familiares, a saber: ‘Angelina (esposa), cuida de Titito; Titito, de Maria; Maria, de Lucas; Lucas, de Margarida; Margarida, de Terezita; e FORTUNATO (cão de guarda da casa) cuida da família inteira’.

Só depois de cumprido esse ritual da despedida iniciava a caminhada. Se por acaso houvesse engano e a marcha fosse rompida com o pé esquerdo, “estornava” todas as ações encetadas, tornando-as sem efeito e recomeçava mediante um novo cerimonial, dessa feita com redobrada concentração.

Fortunato, o cão, seu velho e fiel escudeiro, que o Toríbio imaginava estivesse zelando de toda a família, também se arvorava no direito de proteger as mercadorias, pois na residência dos Villar também funcionava uma padaria. Os sacos de farinha de trigo –americana – eram estocados nos espaços disponíveis, e Fortunato não se fazia de rogado. Como tinha de cuidar de tudo na residência/comércio (quando não estava roncando), aliava o “árduo trabalho” ao seu bem estar pessoal.  Dormia refestelado feito um príncipe sobre os sacos de trigo, sem ninguém a importuná-lo.

Imagino quantos pães foram feitos com a tal farinha americana –devidamente “batizada”– posto manipulada (penso eu) tendo como ingredientes a urina e outros dejetos “temperos” oriundos do Fortunato, que normalmente dormia 25 horas por dia…

Fortunato era um ‘gentleman’: nunca se soube de alguém que tivesse sido por ele importunado.

Bonachão era o Fortunato! Malandrinho, adorava pão com leite. Lambia os beiços após ser servido. Repudiava café e celebrava as famosas paridas que atendem pelo nome de rabanadas. Bom gosto para a gastronomia ele tinha! E muito!

Toríbio, dentre as diversas ‘manias’, só contava dinheiro com as cédulas totalmente abertas. Se o pacote de cédulas lhe fosse apresentado dobrado ao meio, não tinha dúvidas: contava de um lado, e após, do outro. Justificava o procedimento pelo fato de ter, um dia, identificado uma nota incluída dolosamente por alguém, manipulada apenas com a metade; se manuseada no lado dobrado é óbvio que tinha uma cédula a mais, erro que identificava ao contar do outro lado, pois ali poderia estar uma cédula a menos…”

Uma de suas características era vestir-se totalmente de branco, o que lhe assentava bem por ter uma cabeleira bem branquinha, apesar de exibir um aspecto bem jovial, aliado ao seu permanente bom humor. O cinto era instalado bem acima do umbigo de uma proeminente pança adquirida. A todos tratava com refinada educação e muita simpatia. Era muito querido por todos que, como eu e o Paulo Cruz, privaram de sua amizade, apesar da diferença de idade que nos separava.

As histórias de Toríbio dariam um excelente livro de contos, tantos os ‘causos’ e tantos exemplos legou à vida guajaramirense.

Entretanto, recordar do Fortunato, tranqüilo, de bem com a vida, rechonchudo, indolente – para não dizer preguiçoso – e glutão é intensamente salutar, porque representa ganhar uma fortuna na seara espiritual por conta das nossas recordações sempre recheadas de bom humor.

*Membro fundador da Academia Guajaramirense de Letras-AGL e Membro efetivo da Academia de Letras de Rondônia-ACLER.

O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Site A Pérola do Mamoré não  tem responsabilidade legal pela “OPINIÃO”, que é exclusiva do autor.


Edmilson Braga - DRT 1164

Edmilson Braga Barroso, Militar do EB R/1, formado em Administração de Empresas pela Universidade Federal de Rondônia e Pós-graduado em Gestão Pública pela Universidade Aberta do Brasil.

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