TRIBUTO AO MÚSICO E BOÊMIO SANIN
CRÔNICAS GUAJARAMIRENSES
Por: Paulo Cordeiro Saldanha
Não preciso saber o seu nome de Batismo. Para mim, e para tantos, vale sempre recordar do Saninho. Para alguns, apenas Sanin. Alma boa, alma generosa, Saninho estava sempre de bom humor.
Assim como Manoel Bandeira, com a sua “Irene Preta, Irene boa…”. Imagino Saninho entrando no céu:
– Licença, Pedrão. E por quê essas barbas brancas, meu? Me dê ai um bilhete pois quero vir pro céu…
– Entra, Saninho, você não precisa de bilhete, nem de licença. Você tem seu lugar garantido desde há muito, até porque os dois Mestres, nas noites de serenata lá em Guajará, eles desciam só para ver você tocar.
– Mas, os Mestres me viam tocar?
– Saninho, vou confessar: Todo o céu parava para lhe ouvir. O Patrão maior sempre voltado para o trabalho, até ele parava para lhe ouvir. Decretava feriado celestial…
– Vixe, minha Nossa Senhora! “Entonce”, Ele me viu ébrio! Que vergonha… Que vergonha! Jesus é mais novo, pode até entender, mas Ele…
– Não fique avexado (São Pedro às vezes usava os termos nortistas e nordestinos). Quanto mais bêbado mais você embriagava os seus admiradores com as suas músicas. E Deus e seu filho Jesus também têm as suas nostalgias, as suas saudades, os seus devaneios e, às vezes, são boêmios, também.
– Mas, Chefe é Chefe! E o Todo Poderoso devia gostar só de música clássica, que não era o meu forte…
– Vou confessar mais outra (Era São Pedro barbudão): findava uma noite, entrava fria a madrugada, e uma lua brindava os passos dos seresteiros; vocês caminhando entre a Av. Constituição e a Presidente Dutra, – fazia um frio de lascar -, quando um foco do luar filtrava a chuva fina, numa serenata que vocês fizeram para a Mirtes Leal, para a Alice Badra, para as irmãs Bouez e para a Soninha Melhem, numa madrugada só, quando você transformou aquela canção “Noite cheia de estrelas” (e São Pedro cantou… noite alta, céu risonho…), num verdadeiro hino, numa sinfonia digna de um Mozart, de um Beethoven, enfim, eu vi o chefão maior se emocionar tanto, que o vi chorar. Você comoveu o “Ser Maior”, seu artista de uma figa! Eu nem tenho vergonha de dizer, andei derramando algumas lágrimas, também. Até bebi uma talagada de uma cachaça, presente via correio, que o Paquetá me enviou, tentando me reequilibrar…
O Saninho era assim mesmo! Uma figura amada, um talento único, um astro que brilhava no firmamento desta fronteira. O “Chão de estrelas” chorava no embalo das notas que lançava para o céu. Salvo engano foi funcionário municipal, porém com a sua desenvoltura manejava o clarinete, com a maestria dos deuses.
A minha geração o admirava, pois lhe reconhecia o talento e o dom que Deus lhe concedeu. Era um músico brilhante e uma pessoa maravilhosa, que, tenho certeza, num centro avançado, seria infinitamente mais valorizado.
Nas serenatas sob a batuta do Saninho, – eu sou do tempo em que se fazia serenata -, para as amiguinhas ou para as namoradas, se tinha luar, até a lua se debruçava na janela do céu, para ouvi-lo e suspirar ansiosa, sonhando os sonhos de amor não correspondidos pelo astro rei, já que quase nunca se encontravam. Afinal, o sol é machista, durão e turrão, não se utiliza da noite, que é feminina, para emoldurar na taboa do tempo, o sonho de amor que, à distancia, nutre pela lua, embora se saiba que, mesmo nesta nossa galáxia, namora escondido com outras luas. Ele, só não é mais volúvel que a Lua, pois essa uma anda de quarto em quarto e de repente fica “cheia”.
O Saninho era dono de um repertório que variava da valsa, para o samba, para o baião, marchas e marchinhas, para o samba-canção e para o bolero. Às vezes retirava parte do clarinete e tocava só com uma delas, explorando todos os recursos do seu instrumento musical, sem perder a classe e a qualidade dos sons que, ele, só ele, sabia arquitetar.
O Saninho nos carnavais, às vezes, sozinho, era o seu próprio bloco. Caminhava pelas nossas ruas tocando as marchinhas, e qual rei, ia formando o seu séqüito, os seus admiradores, quase fanáticos, que se enterneciam maravilhados com os sons que do seu clarinete abençoado extraia. E, a partir de sua exuberante passagem pelas vias públicas, os moradores, em suas casas, iam colocando o rosto para fora das janelas – como na Banda do Chico Buarque – vê-lo passar. Era o soberano Saninho com os seus seguidores. Era Deus no carnaval sob a forma de homem, um homem simples, porém verdadeiro, um homem bom e enorme na arte musical, um sujeito, com inúmeros predicados, enfim, um santo sempre presente nas nossas lembranças e nos nossos corações.
*Membro fundador da Academia Guajaramirense de Letras-AGL e Membro efetivo da Academia de Letras de Rondônia-ACLER.
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