Crônicas Guajaramirenses

O BICO DE BRASA, SERINGUEIRO E O UIRAPURU


CRÔNICAS GUAJARAMIRENSES

Por: Paulo Cordeiro Saldanha

Na Amazônia diversos pássaros têm histórias diferentes, mas todas envolventes. Alguns estão dignificados por lendas fantásticas, razão de serem repassadas de uma geração para outras gerações, a partir das narrativas dos avós para netos, de pais para filhos, de tios para sobrinhos.

O Bico-de-Brasa, por exemplo, tão garboso, com sua plumagem negra e seu bico vermelho, traduz – apenas no entendimento do Simão Salim – uma das inúmeras homenagens que o Criador houve por bem prestar ao seu Flamengo. Seria, pois, no meu sentir, o único pecado divinal, eis que ele bem poderia ter colocado, ao invés do bico vermelho, uma estrela solitária incrustada (qual diamante num anel de ouro), na ponta da boca desse pássaro cantador, engrandecendo-o dessa forma.
Mas, disciplinado em cima das ações divinas (?), curvo-me à beleza do contraste rubro-negro que o Bico-de-Brasa vai ostentando enquanto a estrela não possa tremeluzir em sua estrutura. Será uma conquista a obter em nome da evolução da espécie…

Diz a lenda que o Bico-de-Brasa não é imitado pelo Japiim que, por sua vez, costuma arremedar outros pássaros, inclusive o Uirapuru, que tem habitat aqui tão próximo do lugar onde costumo escrever minhas crônicas.
Mas diz também a lenda que o Bico-de-Brasa, do alto da sua figura imponente, ao surpreender o Japiim tão debochado, com ares de gozador emérito, reproduzindo o cantar de um curió cansado, de pata em riste o ameaçou:

–Cara, sabe por que o meu bico é vermelho?

–Não, senhor! – recolheu-se assustado, trêmulo e tímido o seu interlocutor, já angustiado.

–É que costumo furar os olhos de qualquer canastrão que tenta imitar-me, lambuzando-me, refestelando-me, comprazendo-me com o sangue que possa escorrer. Daí o encarnado no meu bico! Cheguei de surpresa e vi você imitando o compadre Curió. Cuidado! Quem avisa, amigo é.

E o Japiim, quase petrificado pelo terror, em nome da humildade e do medo, despede-se temeroso, cuidando de repassar para os demais da sua espécie a nada sutil ameaça que recolhera.

Conseqüência: o Japiim, se imita outras aves, desde então jamais ousou imitar o pássaro Rubro-Negro, que, por sinal, tem grande torcida no seio florestal.

Já os Seringueiros, também conhecidos pelos nomes de capitão-do-mato, poaieiro, namorador, cricrió, tropeiro, biscateiro, gritador (Pernambuco), cricrió-seringueiro, ha-wi-já e wissiá (nomes indígenas – Mato Grosso), segundo a região onde habitam, têm também sua respeitabilidade reconhecida.

Seu grito estridente ecoa como um alarme na mata, como se fora um guardião, cantando lindamente no momento em que identifica um temerário, homem ou animal de grande porte, como se estivesse protestando contra uma invasão nos seus domínios.

Há quem afirme que a alcunha de capitão-do-mato remete-se ao rude homem que caçava escravos fujões e os capturava para o senhorio. É que esses cricriós, com o seu cantar, denunciavam os fugitivos, que acabavam sendo localizados. Os cricriós do sudeste são mais ágeis, no que diferem dos nossos amazônicos, que são mais lentos – crítica que se faz, por outro lado, aos amazônidas (homens viventes nesta região, tidos por alguns afoitos como relativamente indolentes – ledo engano) – e também porque são daquelas aves mais barulhentas que se conhece. Cantar exuberante que se ouve assim que se adentra na selva onde tem vida, pois é muito comum nas florestas intocadas.

Já o Uirapuru tem como expoente da sua personalidade lendária a figura de que, quando ele canta, ante a beleza única do seu gorjeio, os demais pássaros se calam para ouvi-lo reverenciosamente.

Minha quase amiga Melina, personagem de um romance, se deliciou ao saber que se alguém passar a mão pelo dorso do Uirapuru receberá a chance de ter um amor tão fecundo e tão absoluto que causará inveja, mas se o apalpar por baixo, poderá ter muito dinheiro durante toda a vida…

E sapecou:

–Ah! Se o pego, o esfregaria dia e noite, depenando-o…

O gorjear do Uirapuru será forte mas curto, se pretender fixar o seu território; todavia, será longo e melodioso, se desejar atrair sexualmente sua fêmea; seu trinar, num ano, terá uma freqüência de apenas 15 dias e a duração de 10 a 15 minutos, seja no amanhecer ou no anoitecer.

Assim, concluo, repetindo que “na Amazônia diversos pássaros têm histórias diferentes, mas todas envolventes. Alguns estão dignificados por lendas fantásticas porque são repassadas de geração para outras gerações, a partir das narrativas dos avós para netos, de pais para filhos, de tios para sobrinhos”.

E eu que quando menino ouvia essas histórias, as estou repassando para meus netos e sobrinhos… e até para os netos de outros avós.

O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Site A Pérola do Mamoré não  tem responsabilidade legal pela “OPINIÃO”, que é exclusiva do autor.


Edmilson Braga - DRT 1164

Edmilson Braga Barroso, Militar do EB R/1, formado em Administração de Empresas pela Universidade Federal de Rondônia e Pós-graduado em Gestão Pública pela Universidade Aberta do Brasil.

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