MANOEL BOUCINHAS DE MENEZES
CRÔNICAS GUAJARAMIRENSES
Por: Paulo Cordeiro Saldanha
Ele não entrou na história apenas para ser um nome de avenida. Não! O homem Manoel Boucinhas de Menezes fez a história, ele mesmo, do alto da sua personalidade, liderança, credibilidade e carisma.
Cresci, admirando-o e a sua gentilíssima esposa dona Maria. Quem poderá esquecer-se deles? Ela, com aquele jeitinho meigo, vinha em nossa direção, querendo nos ajudar, quando adentrávamos na sua Drogaria, ali na Presidente Dutra, esquina com Leopoldo de Matos. Naquele local, ninguém recebia uma desatenção; ao contrário, a partir do José (o famoso Zé das Cachorras), todos que buscavam o remédio salvador eram acolhidos com o abençoado sorriso de dona Maria e com o generoso cumprimento do “seu” Boucinhas.
O interessante para mim é que minha irmã Anete faz aniversário no mesmo dezoito de outubro. Em 1933, diz o diário de Dom Rey, as alunas do Colégio Santa Terezinha lhe prestaram comovida homenagem, naquele dia.
Quando me vi menino em condições de interpretar a vida, a cabeça dele, bem branquinha, já tinha recebido o prêmio que sinaliza, pela alvura –que lembra neve–, a vivência, experiência e sabedoria, que marcam uma trajetória. E ele já era um vencedor!
Com efeito, ao vir para esta região, se fez artífice e partícipe do progresso e dos melhoramentos que a cidade necessitava alcançar. Foi o primeiro Prefeito (naquele tempo chamava-se Intendente) e tomou posse numa cerimônia prestigiada por Mato-grossenses, Amazonenses, enfim por brasileiros que estavam ousando construir nas paragens do poente essa outra história. As autoridades bolivianas também vieram trazer a energia espiritual, com as suas presenças, para que o “Alcaide” Boucinhas pudesse agenciar as transformações.
E ele foi um abnegado apóstolo! Doou-se por inteiro na sacrossanta missão de implantar um novo Município.
A cidade abriu um sorriso tão grande, que humilhou a luz solar naquele 10 de abril de 1929. Mais tarde, já de noite, a lua ficou tímida, indecisa, sem saber se se erguia ou não na imensidão do céu. Acabou recolhendo-se; porque naquele dia o astro maior era Manoel Boucinhas de Menezes que iria iluminar os nossos cenários. Com a força do seu entusiasmo, do seu idealismo e do seu compromisso para com um povo que, mercê, repito, da sua enorme credibilidade, muito, mas muito dele esperava, em termos de ações e decisões. Até onde eu sei, ninguém se decepcionou com o Intendente!
Assim o “seu” Boucinhas arregaçou as mangas e começou a implantar a estrutura político-administrativa do município, que se transformou no berço de seus sete filhos (Antônio, Catarina, Roberto, Fernando Amílcar, Caio) todos eles, sem exceção, inteligentes, cidadãos bem formados, excelentes pessoas na vertente do caráter, que, exercitam a humildade transferida pelos pais, como mensagem natural e espontânea, para relacionar-se com as demais pessoas. O Caio, por exemplo, foi meu companheiro e paradigma na JEC (Juventude Estudantil Católica) e guardo dele a melhor recordação como expressão mais legítima das virtudes da humildade, generosidade, do bom humor e companheirismo.
E o nosso líder, “seu” Boucinhas, acabou se transformando num conselheiro, sempre ouvido com a atenção, cujas palavras mereciam a avaliação devida e eram acolhidas, haja vista a coerência, ponderação, prudência e visão prospectiva que ele sabia tão bem colocar.
Como conseqüência da guerra inventada entre 1939 e 1945, foi criado e instalado o Banco de Crédito da Borracha (hoje Banco da Amazônia S/A) e, aqui em Guajará-Mirim, mais uma vez, por força da credibilidade que seu nome significava, nova missão o alcançou. Torna-se o gerente implantador da sucursal do banco, concebido por conta do esforço de guerra e, através dele, o seu primeiro gerente, passou a apoiar, de forma intensa e fecunda, as ações financiadoras daquela Instituição, promovendo a produção gumífera, que acabou se transformando numa contribuição regional fora de série, já que este Município pôde ampliar significativamente o seu perfil econômico, via aumento crescente da produção da goma, em face dos recursos que, de forma competente e dinâmica foram distribuídos e alocados.
Como o objetivo era construir uma produção capaz de assegurar a tranqüilidade dos países aliados no campo dos produtos derivados da “hevea brasiliensis”, a nossa seringueira, os antigos falavam que seringalistas saiam do Banco da Borracha carregando sacos de dinheiro, em espécie, objetivando o atingimento da meta idealizada. Até porque os aliados receavam que os seringais da Malásia, Indonésia e Ceilão (cujas sementes foram pirateadas por alguns Ingleses daqui para lá) pudessem cair nas mãos dos nazistas.
A sua participação tão intensa na vida Guajaramirense nos traz o registro de que até como Juiz suplente pôde contribuir, durante a ausência do magistrado Dr. Pedro Alcântara Baptista de Oliveira, o que dá a dimensão exata da respeitabilidade a que me referi.
Com a criação da Associação Comercial de Guajará torna-se o seu primeiro presidente ainda em 1948.
Nos anos 60, os moradores da cidade sempre o encontravam nas suas caminhadas, visando manter-se em forma, retratando e ensinando aos demais, que caminhar significava mais saúde e uma velhice mais independente. Bem depois, a medicina passou a recomendar como saudável, logo, absolutamente necessário, o que o “seu” Menezes já praticava de há muito.
Oscar Wilde (1854-1900) nos disse que “Todo mundo pode fazer história; só um grande homem pode escrevê-la”. Então, a confirmar essa assertiva, podemos dizer, que, por seu legado, por sua trajetória, pelos seus exemplos e pela família que edificou, o cidadão Manoel Boucinhas de Menezes escreveu várias enciclopédias, eis que, como homem público teve uma vida de lutas, sofrimentos e vitórias e a sua travessia neste “continente” amazônico como líder, chefe de família, empresário e maçon foi irretocável. A ele, por derradeiro, embora tardiamente, mais um registro de respeito e afeto, pois sempre soube que ele não passou pela vida em brancas nuvens; nem em plácido repouso adormeceu, foi destemido homem, figura pública renomada e passou pela vida e viveu!