Dom Xavier Rey – Primeiro Bispo de Guajará-Mirim
CRÔNICAS GUAJARAMNIRENSES
Por: Paulo Cordeiro Saldanha
Deus, em sua infinita sabedoria, reserva a algumas criaturas à sua imagem e semelhança apaixonantes missões. Vejamos o que, por exemplo, aconteceu com Pierre Élie, um francês que nasceu em 29 de junho de 1902, na aldeia de Fauch, na França, nação que se achava prestes a festejar, em 14 de julho, os 113 anos de sua histórica revolução. Seus pais camponeses jamais imaginariam que aquela criança, que colocaram no mundo, iria anos depois, revolucionar outro mundo.
Com efeito, milhares de guaporenses (e não guaporeanos, como querem alguns) somos resultado da obstinação de um missionário.
É que no dia 23 de janeiro de 1932, aportava em Guajará-Mirim aquele Sacerdote intrépido, guerreiro, voluntarioso, sonhador e edificador, que assumia enorme responsabilidade como o pastor de uma jurisdição que ultrapassava os limites geográficos deste município (até em Cachoeira Esperança, na Bolívia ele atuou) e que, anos depois, se transformaria no primeiro Bispo da cidade; nascia para nós o inesquecível Dom Xavier Rey.
Abandonou o primeiro mundo para doar-se ao terceiro mundo da terra sul americana e se fez presente em Guajará-Mirim com aquela vontade indômita de fazer o bem, seja trazendo a palavra de Deus, através da Bíblia, seja evangelizando os homens e mulheres aqui viventes, brancos, negros e índios, seja, enfim, trazendo um pedaço de esperança, socorrendo os nativos com melhor qualidade de vida, numa época em que pouco se sabia ainda de que qualidade de vida este povo ansiava. Mas Dom Rey e Êle sabiam que transformações eram necessárias, desde que se retirassem do isolamento as pessoas que para aqui vieram, ou aqui nasceram, afastando-as das dificuldades maiores, que inibiam um processo que as levasse aos caminhos do progresso e da afirmação cristã.
A sua obra está consagrada não apenas na visão pastoral, mas, intensamente fecunda, através da vigorosa ação social que passou a empreender, seja pelas escolas implantadas, pela formação de professoras, pelas igrejas construídas, pelo primeiro hospital edificado e até pela primeira rádio a levar mensagens para todo este vale.
Ora era sacerdote, cuidava de almas, ora era médico e dentista, receitava cura para o corpo. Até onde sei, teria ele cursado inclusive o quarto ano de medicina, quando resolveu tornar-se Padre e vir para esta Amazônia de Deus.
Na sua visão revolucionária concebeu os meios de só implantar as primeiras escolas no rio Guaporé, depois que preparasse as professorinhas, com as quais levaria a semente do saber para uma quantidade enorme de crianças, até então excluídas da vertente do conhecimento, ainda que fosse só para acender a chama multiplicadora da alfabetização. Na esteira de suas realizações cerca de 33 escolas foram por ele construídas.
Como tudo dependia de Cuiabá, ante a omissão do poder público daquele tempo, Monsenhor Rey sonhou, idealizou e agiu, trabalhando de forma tenaz, quando presenteou o município com o primeiro nosocômio de que a cidade se valeu para receber a qualidade de cuidados médicos e hospitalares com foco nos habitantes locais e nos moradores que tinham em Guajará o seu ponto de apoio. Com a inauguração do Hospital Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, o Sacerdote demonstrava que ousar é tornar-se arquiteto de ações que se perpetuam no tempo, fixando de forma indelével, o conceito de quem veio para uma região esquecida e negligenciada, porém, com ânimo transformador, com vontade de produzir mudanças, que retirassem do isolamento espiritual e material centenas e centenas de famílias que haviam escolhido este município para viver e trabalhar.
A intensidade da ação pastoral combinada com a fecunda gestão social que exercitava levaram a um reconhecimento tão explícito, que aquele jovem sacerdote mereceu tornar-se Bispo, tendo sido assim sagrado na Igreja Nossa senhora de Fátima, na cidade de São Paulo, no bairro do Sumaré no dia 9 de setembro de 1945.
Antes, porém, as Igrejinhas de Vila Murtinho, do Iata, de Pedras Negras e até uma na cidade mato-grossense de Vila Bela já tinham sido edificadas, mercê do arrojo e da pertinácia de um homem que trazia no sobrenome a palavra Rey, mas nas próprias mãos e no cérebro a vontade de construir e de transformar.
Quando chegou já demonstrava a que veio; ampliou a pequena Igreja, foi projetando o colégio das freiras Calvarianas, implantando a Prelazia (hoje Cúria), na frente da Praça Mário Correia, na metade da Quadra, e, depois, o abençoado hospital, até que chegou a hora e a vez da Catedral.
Quantas e quantas vezes foi visto manejando o seu veículo especialmente construído para deslizar nos trilhos da Estrada de Ferro, ou remando ou pilotando um motor de popa, subindo ou descendo os rios da região, inclusive fazendo a Desobriga, numa instigante, porém cansativa maratona, que sabia cumprir com devotado amor ao próximo.
Depois a Rádio Educadora de Guajará-Mirim apresentava o seu prefixo e enviava as suas mensagens, através de um sinal forte que nos inflava o peito de orgulho. Nesse mister contou com o percuciente apoio e incentivo do Padre Alexander Bendoraitis, outro benfeitor do município.
Dom Rey era de um dinamismo contagiante! Trouxe o primeiro caminhão para esta cidade (mais tarde um outro reforçou a sua estrutura), e, depois, dois aviões visando a facilitar o seu trabalho missionário, que o avançar da idade jamais diminuiu. Na construção da Catedral eu o acompanhei nos serviços de colocação das telhas e na retirada dos restos da obra. Na sua sagração, os católicos estavam eufóricos, alguns bastante comovidos, numa solenidade religiosa cuja liturgia nos emocionou a todos.
No sentido espiritual, todos o tivemos ou como Avô ou um Pai adotivo, pela imensidão do amor que lhe devotamos, tal a gratidão que jamais morrerá, posto que derivada do reflexo das bênçãos que Dom Rey nos legou. Afinal, Sêneca, há mais de mil anos, já nos ensinava que “o ponto mais alto da Moral consiste na gratidão”.
Pessoas como Dom Rey jamais morrerão na alma e nos corações de pessoas, enquanto o ser humano cultivar a virtude da gratidão, como força motriz para reverenciar os espíritos generosos, que nos deixaram exemplos dignificantes, a partir de um trabalho hercúleo, bem fecundo, que traduziu a mão de Deus, enviando um anjo, na figura exemplar de Dom Rey, para nos ajudar a ser melhores cidadãos, cristãos mais virtuosos e pessoas mais felizes, mais esperançosas e mais realizadas. Para nós também “Le jour de gloire est arrivé” sob as bênçãos de Pierre Élie Rey…