O COLÉGIO NOSSA SENHORA DO CALVÁRIO
CRÔNICAS GUAJARAMIRENSES
Por: Paulo Cordeiro Saldanha
“Alguma coisa acontece no meu coração” – diria Caetano Veloso – quando ando pelas ruas da cidade e encontro meus colegas, alguns que transformei em amigos, que, no tempo de meninos estudávamos no Instituto Nossa Senhora do Calvário, um Colégio que formou tantos cidadãos, transformando-os em melhores habitantes do Planeta.
Também encontro as hoje senhoras, mas que, naqueles dias, eram alunas, internas ou não, do saudoso centro de ensino católico.
As irmãs Calvarianas abraçavam a causa da educação com fervor e devotamento; com altruísmo e sacrossanta devoção.
Ali as moças aprendiam de tudo, inclusive a caminhar sem fazer barulho; como portar-se numa mesa e como sentar-se de forma adequada e elegante; lá ensinavam práticas de bordados, desenho, pintura e música. As conversas eram mantidas em tom suave, sendo proibido gritar.
Lembro-me que a Professora Carmem Carvalho, formada no Colégio de minhas saudades, uma vez por mês, fazia os garotos mostrar os ouvidos e as unhas visando a alertar para a higiene pessoal, tão necessária quanto saudável. O termo ecologia não era conhecido, mas éramos proibidos de jogar papéis no chão.
Meninos e meninas participavam das quermesses, de peças teatrais e do canto orfeônico. Não me esqueci de uma peça em que a irmã Ruth, uma paulista, escreveu demonstrando a saga de Dom Rey, na catequese de brancos e dos índios. Fui, como outros alunos, caracterizado como indígena nessa peça teatral. Conhecemos os aplausos e os incentivos de uma exigente platéia.
A Irmã São Rafael, uma doce criatura, ao receber nova Missão partiu em direção a África, continente muito mais atrasado que a América do Sul, onde pontifica a Amazônia. Chegou de mansinho a Irmã Noelah, também suave e firme. Choramos a partida de nossa “Avó” São Rafael. E aos poucos a Irmã Noelah foi nos conquistando , devagar… devagarinho…
Nosso Colégio ia descobrindo os talentos, à medida que os anos se sucediam. A Professora Carmem aprendeu a tocar Órgão e Piano. Transformou-se numa intérprete inteligente e desenvolta, mesmo porque cantava muito bem; depois, a Maria Francisca, a Anastácia e outras lhe substituiram, após o casamento.
As missas solenes eram um acontecimento! Lembro-me da sagração da Catedral! A luz elétrica dos homens, ante a explosão das nossas alegrias, confundia-se com a luz espiritual que, de todos os cantos da nossa quase Basílica, se expandia.
Pareceu-me que, ao adentrar ali na Catedral, todos estivessem visitando um pedaço do céu… Tal a magnitude do nosso orgulho, que sintetizava o tamanho do nosso contentamento.
E os alunos e as alunas do Instituto, quase todos, fizeram-se presentes, rezando contritos e cantando os hinos de louvor, anteriormente tão bem ensaiados.
Quando o seis de agosto (data magna da Bolívia) chegava, vestíamos o uniforme de gala e colocávamos as nossas boinas na cabeça. O sapato Tank era engraxado e com ele marchávamos. E estufávamos o peito, orgulhosos, como se estivéssemos numa guerra, empunhando os fuzis e a Bandeira do Brasil, desejando fazer o melhor. A Pátria merecia!
No dia da Independência, o nosso Sete de Setembro era mais vibrante. Novamente “enfatiotados” (palavra antiga!), desfilávamos antes dos militares e competíamos com o Grupo Escolar “Simon Bolívar”, desejando vencer nos quesitos uniforme, banda e ordem unida. O Chefe Cláudio era o “técnico” do Instituto Calvariano e nos cobrava responsabilidade, brio e civismo.
Meninos e Meninas apreendiam, de cor e salteado, os quatros hinos oficiais brasileiros: Nacional, Independência, Bandeira e o da Proclamação da República. E ai daquele que desafinasse!
Havia a classe para as meninas e a classe para os meninos. O recreio era em horário diverso. Mas os flertes aconteciam, apesar da severa vigilância das freiras.
Um dia o Embaixador da França visitou Guajará-Mirim. Homenageamos aquela autoridade diplomática cantando para ele La Marseillaise(A Marselhesa, em português), que acabou comovido. Pronuncia impecável. Até hoje ainda recordo de trechos do hino francês.
Assim como nunca esqueci a primeira professorinha –a Irmã Celeste– jamais deixei de lembrar um tempo especial na minha existência, quando, junto a tantos, mereci recolher a dádiva dos ensinamentos que o Instituto Nossa Senhora do Calvário, pôde transmitir, através das irmãs Maria Emilia, Agostinho, Maria Antonieta, Ruth e Maria José (hoje Irmã Luzia), com desvelo, altruísmo e amor cristão.
*-Membro Fundador da Academia Guajaramirense de Letras – AGL e Membro Efetivo da Academia de Letras de Rondônia – ACLER.