Por: Paulo Cordeiro Saldanha
Conheço diversas histórias nesta Amazônia de Deus (Rondônia, Amazonas, Roraima, Pará e Mato Grosso), por onde trilhei caminhos por conta da minha profissão; narrativas que tiveram, muitas vezes, o mesmo princípio, meio e fim…
Conheci, por exemplo, o nascimento de trajetórias de homens que chegaram pobres a um determinado lugar, mas que, mercê do trabalho fecundo nos seringais ou no comércio, puderam prosperar.
Desses, uns permaneceram humildes; outros, não! Alguns continuaram simples, porém suas famílias, que não conheceram as dificuldades vivenciadas pelo patriarca, tornaram-se soberbas e não se misturavam com outros núcleos menos abastados, muito embora tivessem sido geradas a partir de muito suor, sangue e lágrimas. As famílias iam crescendo, os filhos tornavam-se adultos, os negócios iam evoluindo na dimensão da arrogância que envolvia o clã. Seus integrantes quase não cumprimentavam os demais “de fora”, a não ser aqueles que julgavam à altura do seu próprio status, conceito social e saldo bancário.
Pobres de espírito! Afinal, a Bíblia nos adverte que “A soberba precede a ruína, o espírito arrogante vem antes da queda.”
Dentre essas várias histórias, lembro-me de uma em particular – porque ficou bem marcada para mim – sobre o amor entre dois jovens nascidos em Abunã. O rapaz tinha por pais um casal que, lamentavelmente, por conta de um incêndio criminoso, perdera toneladas e toneladas de castanha, armazenadas num depósito e que seriam enviadas para venda em Manaus. Sendo seringalistas em ascensão, possuíam uma área que também era rica nos castanhais, razão de atuarem paralelamente nessa atividade. Só que toda a colheita da Bertholletia excelsadaquele ano havia sido perdida, o que foi considerada verdadeira tragédia. O ganho de capital derivado da venda desse produto asseguraria a fabricação das pélas de borracha, a iniciar-se em abril seguinte.
Daquele fato negativo em diante, aquela família, alvo do desastre, não conseguia recuperar-se financeiramente; o banco não se sensibilizava em financiar-lhe a produção e nenhum aviador desejava correr riscos, embora reconhecessem a idoneidade moral do empresário.
Nesse meio tempo, a afeição nutrida no amor era a mais eloqüente demonstração de sentimentos observada pelos demais na troca de olhares entre os dois enamorados, lá em Abunã.
Porém, desde o infortúnio da família do rapaz e com esta sofrendo os problemas financeiros dele decorrentes, a família da moça passou a ver com olhos nada alvissareiros aquele namoro que poderia desembocar num casamento que não lhe interessava, e daí a decisão de “cortar o mal pela raiz”: mandaram a moça estudar em Porto Alegre sem o direito de retornar nas férias.
Afastado da namorada, o rapaz, ao concluir o curso de contabilidade e em razão das dificuldades econômicas dos seus pais, rumou em direção ao Ceará, onde tinha uns tios que lhe prometeram guarida.
Tempos depois, vendo que o vínculo com o antigo namorado tinha se exaurido em decorrência da distância e pela ausência de notícias entre ambos, sem o risco de haver uma “recaída”, os pais da menina a trouxeram de volta a Abunã. E até lhe falaram que o tal moço estava de casamento marcado com uma guria lá de Fortaleza, para arrefecer de vez qualquer sentimento por ele que nela restasse.
Na solidão do seu quarto a mocinha amargou a sua desilusão, e posteriormente aceitou a corte do filho de um ricaço da região, aproximação que foi incentivada pelos seus pais. Relapso, o tal filho de família abastada não valorizou a oportunidade de poder estudar e se formar, conforme idealizado pelos seus provedores. Não cresceu intelectualmente, mas imaginava ele que o dinheiro da família um dia seria seu sem ter que fazer qualquer esforço…
Enquanto isso, inteligente, sagaz e talentoso, o antigo namorado da moça buscou esquecê-la através dos estudos, aos quais se direcionou com afinco. Dois títulos de graduação, alguns anos depois, premiaram a sua dedicação mais extremada. Bem capacitado, em pouco tempo logrou diversas promoções na empresa privada onde começou como estagiário, e já chefiava um dos seus departamentos mais importantes, voltado para a exportação.
Ele casou-se lá no Ceará, e ela em Abunã. Lá, ele prosperou! Nesse ínterim, os negócios da família da mocinha definharam… Abunã foi decaindo mais e mais, e a economia regional foi toda ela para o brejo. A atividade gumífera determinou perdas enormes, resultado do fracasso nas mais diversificadas atividades extrativistas de todo o entorno do local, que incluíam o couro animal e castanha do Brasil.
O marido da mocinha, estagnado no tempo, escorava as suas frustrações na bebida, rendendo à esposa, em face das comparações que fazia entre esse e seu ex-namorado, inevitáveis decepções e lamúrias. Não tiveram filhos, e um dia se separaram!
E o outro rapaz lá em Fortaleza, que sempre recordava da garota do Abunã, esgotada a chance de retomar o vínculo com a sua antiga princesa, constituiu a família dos seus sonhos com outra mulher. Entretanto, nas suas doces lembranças, o rosto daquela mocinha lhe sobrevinha recorrentemente. Para superar essas cinzentas fases nostálgicas, seus três filhos davam à sua vida a cor de que precisava.
Enquanto isso, a mocinha do Abunã, sozinha e sem filhos, ficou amarga, decepcionada pela ausência de emoções de vida, privada delas que foi pelos seus pais – naquela altura, já falecidos – e que, em face da arrogância e da soberba, não lhe permitiram ser feliz da forma como ela bem queria…