A HORTA
Por: Luiz Albuquerque
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Meus pais criavam galinhas, patos e porcos no terreiro de casa. A cada tempo, que não lembro o quanto, um porco era abatido, mas só depois de engordar bastante. Dele, parte da carne era vendida aos vizinhos, enquanto a gordura se transformava em torresmo e em banha para ser usada no preparo das refeições. Com os miúdos eram feitos alguns pratos, principalmente o saboroso sarapatel. As tripas, depois de limpas e secas eram recheadas com pequenos pedaços de carne e gordura picados e bem temperados, e defumadas, transformando-se em deliciosas linguiças. O restante das carnes era conservado por semanas ou meses na própria banha do porco. Da gordura também era feito o sabão, usado como lava-louça, lava-roupas, lava-gente e lava-tudo no dia-a-dia.
Comíamos ovos de galinha e também de pata (dos quais hoje não se tem nem notícia. Será que as patas deixaram de por ovos?). As galinhas, de raças variadas como carijó, d’angola, garnizé, pedrês e outras, eram abatidas a cada período, geralmente em ocasiões especiais. Os patos, mais raros à mesa, tinham um sabor especial.
Frutas, nós colhíamos das arvores plantadas no próprio quintal. Jambo, ingá, cajá, banana, laranja, jaca, manga, goiaba, enfim, um verdadeiro pomar. Mesmo com toda a variedade em casa a molecada não deixava de subir nas árvores dos vizinhos para se deliciar das frutas maduras, e isso, de vez em quando, terminava numa boa surra.
Frutas de outras regiões a gente não tinha nem noticias. Maçã, por exemplo, só conheci aí pelos oito anos de idade. Pêra? Só provei pelos dezessete anos. Caqui, só depois de adulto. Naquele tempo essas frutas, pra nós, não existiam na capital do Amazonas, Manaus, onde nasci e vivi minha infância.
A pimenta do reino era seca e moída em casa mesmo. A mesma coisa acontecia com o urucum, que era colhido, posto para secar e depois transformado em colorau. O café, seco, torrado e moído em casa, era forte e tinha um aroma que já não mais encontro.
E as hortas, quase toda casa tinha a sua: umas trepadas em varas como palafitas, para evitar que os bichos viessem comer as plantas; outras no chão, com cerquinha que as protegia contra alguns animais. A meninada, que ajudava a cuidar das plantas e colher os frutos, tinha ainda a função de sair às ruas com um saco de estopa às costas, recolhendo esterco – fezes – de boi e de cavalo, que era colocado ao sol para, depois de seca, ser desfiado e misturado com a terra preta, transformando-se em excelente adubo natural e orgânico, para as plantas.
Nas hortas, cuidadosamente montadas, se plantava cebolinha, couve, alface, quiabo, maxixe e tudo o mais. Lá não havia chuchu, jiló e mais outros, que só vim a conhecer quando adulto.
De produtos industrializados comprava-se açúcar, sal, vinagre, anil (que, misturado à água, dava mais brancura às roupas), fósforos, querosene (o combustível das lamparinas) e…, mais algumas coisas que agora não lembro.
Lembrei de tais fatos ao voltar do supermercado, onde, depois de horas empurrando carrinhos, passei três deles cheios de compras pelo caixa. Tudo industrializado, mesmo as frutas, hortaliças e legumes, e todos embalados desde a origem.
Comparando o que se consumia naquele tempo e as necessidades que a atual vida consumista nos faz comprar, passei a analisar se precisamos de tudo isso. Afinal, qual a real necessidade de produtos como o Passa-fácil, o aromatizador de ambientes e tantos outros? E porque pagamos bem mais caro pelo papel higiênico perfumado. Afinal, perfume no papel higiênico serve pra quê, mesmo?