
O Ministério Público do Estado de Rondônia ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), com pedido de medida cautelar, contra a Lei Complementar Estadual nº 1.274/2025. Uma norma, recentemente promulgada pela Assembleia Legislativa, institui o “Programa Estadual de Regularização Ambiental Diferenciado da RESEX Jaci-Paraná (PERAD-RO)”, permitindo, de forma provisória, a regularização de ocupações consolidadas dentro da Reserva Extrativista Jaci-Paraná. A Lei foi inicialmente vetada pelo Governador do Estado, mas o veto foi derrubado pela Assembleia Legislativa.
A ação questiona a constitucionalidade da nova norma, exigindo a suspensão imediata de seus efeitos, sob o argumento de que a Lei Complementar nº 1.274/2025 apresenta vícios formais e materiais.
A Lei impugnada permite a regularização temporária de ocupações consolidadas na RESEX Jaci-Paraná, por meio de autorização para uso diferenciado com prazo de 30 anos. A norma também extingue as avaliações administrativas e anistia responsabilidades civis, abrangendo ocupantes e empreendimentos que adquiriram produção da área ocupada. Além disso, prevê a extensão do objeto de ações civis públicas já ajuizadas, inclusive aquelas transitadas em julgadas, sob a justificativa de anuência estatal às ocupações.
Fundamentos da Impugnação
No entendimento do Ministério Público, a Lei Complementar apresenta abusos de origem e viola princípios constitucionais.
Do ponto de vista formal, o MP sustenta que o tema tratado é de competência privativa da União, além de tratar de temas de iniciativa do Poder Executivo, o que não ocorreu.
Do ponto de vista formal, o MP sustenta que o tema tratado é de competência privativa da União, além de tratar de temas de iniciativa do Poder Executivo, o que não ocorreu.
A Constituição Federal, em seu art. 24, inciso VI, confere à União a competência para estabelecer normas gerais sobre proteção ambiental, incluindo o uso de unidades de conservação. Nesse contexto, a Lei Federal nº 9.985/2000 (SNUC) define que as reservas extrativistas são áreas destinadas exclusivamente ao uso sustentável por populações tradicionais, vedando a ocupação irregular e a exploração econômica comercial. Assim, ao criar um regime independente de regularização fundiária na RESEX Jaci-Paraná, permitindo usos não previstos no SNUC, a lei estadual ultrapassa sua competência suplementar, invadindo matéria já regulada pela União e comprometendo o modelo nacional de proteção ambiental.
Do ponto de vista material, a instituição afirma que a nova lei viola o direito ao meio ambiente equilibrado e a proibição de retrocesso ambiental. O MP também observa que a medida fere princípios como a precaução e prevenção e a solidariedade entre gerações.
A ampla anistia prevê a lei para avaliações administrativas e civis aplicadas a ocupantes e empreendimentos que criam um cenário de impunidade, ao eliminar consequências jurídicas para atos praticados sob a justificativa de anuência estatal, fragilizando a responsabilização por danos ambientais.
A lei questionada também prevê a extinção do objeto de ações civis públicas já ajuizadas, independentemente da fase processual, incluindo ações já transitadas em julgadas, gerando preocupação quanto à violação do princípio da coisa julgada e à usurpação da competência do Poder Judiciário e atuação constitucional do Ministério Público na proteção ambiental, instaurando um cenário de insegurança jurídica.
Outro ponto destacado pelo Ministério Público é que a nova lei, ao autorizar a regularização das ocupações dentro da reserva, não estabelece critérios claros ou mecanismos para a recuperação de áreas já degradadas. “A norma ignora a necessidade de restaurar o meio ambiente local, não especificando como ou quando serão aprovadas ações para recompor a vegetação nativa ou compensar os danos ambientais causados nas últimas décadas”, afirma o Ministério Público.
Além do prejuízo à proteção ambiental, a lei pode agravar conflitos entre ocupantes tradicionais da RESEX — como comunidades extrativistas que sobreviveram da coleta de produtos da floresta — e os novos ocupantes regularizados. “Ao criar um programa amplo de regularização, sem ouvir e priorizar os direitos das tradições tradicionais, a medida tende a ampliar tensionada e ameaçar os modos de vida sustentáveis nessas comunidades, que já enfrentam pressão e redução de território”, observa o Ministério Público.
O MP ressalta ainda que a ausência de diretrizes para resolver disputas de uso da terra, somada à fragilização dos instrumentos de fiscalização e proteção, cenário de insegurança jurídica, capaz de estimular novas invasões e de dificultar a convivência pacífica na unidade de conservação.
Histórico de lutas pela preservação
A RESEX Jaci-Paraná, criada em 1996, é constantemente alvo de disputas judiciais e tentativas de flexibilização de sua proteção ambiental. O Estado de Rondônia já havia tentado, em 2021, reduzir de forma drástica a área da reserva por meio de outra lei, mas a iniciativa foi considerada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça do Estado. O entendimento foi confirmado pelo Supremo Tribunal Federal em 2023.
Dados de monitoramento ambiental relatados pelo MP apontam que, entre 2012 e 2022, a extensão de áreas ocupadas por atividades agropecuárias na reserva aumentou 239%, enquanto a área de floresta foi reduzida em mais de dois terços.
Urgência na proteção
Ao pedir medida cautelar para suspender a lei, o Ministério Público argumenta que a norma pode estimular novas invasões, além de ampliar o desmatamento e enfraquecer ainda mais a função da reserva extrativista, essencial para comunidades tradicionais e a preservação do bioma amazônico em Rondônia.
Tramitação da Ação
O pedido de medida cautelar foi encaminhado ao Tribunal de Justiça de Rondônia, que decidirá, inicialmente, sobre a suspensão imediata da lei. Em seguida, o mérito da ação será julgado, com possibilidade de declaração definitiva de inconstitucionalidade da norma.
Gerência de Comunicação Integrada (GCI)