METRÓPOLE/MONTEDO
O governo Jair Bolsonaro vai acionar a Advocacia-Geral da União (AGU)
para evitar o pagamento de indenizações concedidas pela Comissão de
Anistia a ex-militares da Força Aérea Brasileira (FAB), que somam R$ 7,4
bilhões. A cifra corresponde a valores retroativos de decisões
ocorridas nos governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e
Dilma Rousseff. A decisão de acionar a AGU foi tomada em conjunto pelo
Palácio do Planalto e pelo comando da Aeronáutica.
Até o ano passado, a conta total envolvendo anistiados políticos chegava
a R$ 17,4 bilhões. Desse valor, R$ 9,9 bilhões já foram pagos – R$ 3,5
bilhões para ex-militares da Aeronáutica, do Exército e da Marinha e R$
6,4 bilhões para civis. Os contemplados alegam perseguição política
entre 1964 e 1988.
Não existe na legislação prazo final para que cidadãos requeiram a
reparação – o que significa que a conta nunca fecha. Atualmente, 12.669
pessoas, entre civis e militares, aguardam uma decisão. Na fila, estão
Dilma e Lula. A presidente cassada pede R$ 10,7 mil por mês, mas já há
parecer contrário. O valor, quando concedido, é vitalício.
A Comissão de Anistia é formada por, no mínimo, 20 pessoas indicadas
pelo governo. Até Michel Temer, a prerrogativa era do Ministério da
Justiça. Na gestão Bolsonaro, passou para a pasta da Mulher, da Família e
dos Direitos Humanos, comandada por Damares Alves. A orientação dela é
“fechar a torneira” das indenizações.
Praças
A cúpula das Forças Armadas e o núcleo dos ministros militares do
governo Bolsonaro consideram “absurdo” o pagamento de indenizações aos
ex-integrantes da FAB. Um brigadeiro disse à reportagem que a maioria
dos pedidos de indenização é “indevida” e que muitos praças aproveitaram
a política de reparação em benefício próprio.
Um ministro de origem militar afirmou que, para evitar o pagamento
bilionário, o governo decidiu recorrer ao caminho “político”, além de
tentar sensibilizar a opinião pública para o que ele considera uma
“roubalheira” dos cofres públicos.
Em conversas reservadas, o mesmo ministro avaliou que, no começo dos
trabalhos da Comissão de Anistia, as indenizações foram justas, mas logo
teria começado uma série de benefícios sem fundamento histórico. Virou
uma “indústria”, de acordo com ele.
Procurada, a assessoria de imprensa da FAB informou que aguarda a
chegada oficial da notificação dos pedidos de indenização para definir
uma “linha de ação”.
Pedidos
Em 2018, a Comissão de Anistia recebeu 650 novos processos, de um total
de quase 77.931 apresentados desde 2002. Apenas 48 requerimentos foram
deferidos no ano passado – a menor quantidade da série histórica. O auge
ocorreu na “era PT”, logo após a posse de Lula, que, como ex-líder
sindical, recebe aposentadoria de anistiado pelo INSS de cerca de R$ 6
mil.
De 2003 a 2010, o governo Lula concedeu 33.915 anistias. A gestão Dilma
deferiu 4.264 anistias para civis e militares. Já a administração Temer
liberou 442 pedidos de indenização.
Ex-ministro da Justiça do governo Lula, Tarso Genro rechaçou haver uma
“farra” nas indenizações. “O valor deve ter sido destinado a milhares de
pessoas atingidas pelas decisões de ‘exceção’ dos governos de fato
oriundos do regime militar. Até o momento que acompanhei, estavam sendo
pagas a quem de direito”, disse.
Lista reúne integrantes do ‘Levante de Brasília’
Na lista de espera das indenizações da Comissão de Anistia estão cabos,
soldados e sargentos da Força Aérea Brasileira (FAB) que protagonizaram
revoltas às vésperas do golpe de abril de 1964 contra o presidente João
Goulart. Em 12 de maio de 1963, cerca de mil militares da Aeronáutica
realizaram um encontro no Rio que surpreendeu o governo. Eles ameaçavam
um movimento armado caso o Supremo Tribunal Federal impedisse a
elegibilidade dos militares, o que acabou ocorrendo.
Em 12 de setembro daquele ano, 630 praças da FAB bloquearam as estradas
de acesso a Brasília, fecharam o aeroporto e ocuparam prédios públicos. O
“Levante de Brasília” foi liderado pelo sargento da FAB Antonio Prestes
de Paula, ligado ao líder trabalhista Leonel Brizola. Os revoltosos
prenderam o ministro do STF Vitor Nunes Leal e o presidente interino da
Câmara, Clóvis Mota. O soldado do Exército Divino Dias dos Anjos e o
motorista civil Francisco Moraes foram mortos.
Em outubro de 1964, sete meses depois do golpe, o comando da Aeronáutica
baixou a Portaria nº 1.104 para limitar a progressão na carreira,
estipulando um desligamento após oito anos de serviço.
A partir da criação da Comissão de Anistia, os desligados da FAB ao
longo do período militar começaram a pedir reparação. Num primeiro
momento, a comissão indeferiu pedidos de quem foi desligado depois da
portaria. O grupo passou a aceitar pedidos de quem tinha deixado a força
antes da medida por entender que o ato da Aeronáutica teve caráter
político e de exceção.