Vem mudança no tratamento do glaucoma: laser pode virar primeira opção
SAÚDE ABRIL
Uma técnica à base do uso de laser pode reduzir a pressão intraocular típica do glaucoma. (Ilustração: Erika Onodera/SAÚDE é Vital)
O glaucoma é uma doença sem cura que leva à perda de visão. Hoje, seu tratamento consiste principalmente de colírios que aliviam a pressão intraocular, mais alta em quem sofre com o problema. Cirurgias e uso de lasers costumam entrar em jogo só depois, quando os remédios deixaram de funcionar ou para reduzir a quantidade de gotas pingadas diariamente.
Pois em breve esse protocolo pode mudar. Um novo estudo, publicado no periódico The Lancet, demonstrou que um tipo específico de intervenção com laser, a trabeculoplastia seletiva, parece trazer mais vantagens do que os colírios no controle da pressão. Assim, viraria a primeira opção de combate à doença.
O trabalho, custeado pelo Instituto Nacional de Pesquisa em Saúde da Inglaterra, comparou 718 portadores de glaucoma de ângulo aberto ou de hipertensão ocular divididos em dois grupos: 356 passaram pela trabeculoplastia seletiva, enquanto 362 receberam os colírios no olho. Depois de 36 meses, 74% dos indivíduos da primeira turma não precisavam mais aplicar nenhum medicamento diariamente.
Acima disso, a pressão intraocular dos participantes que recorreram ao laser estava adequada em 93% das visitas ao médico, enquanto o índice dos colírios ficou em 91% (o que também é bom, diga-se de passagem). Entre as pessoas que receberam a medicação tópica, 11 tiveram que se submeter a uma cirurgia para reduzir mecanicamente a pressão intraocular.
Segundo os especialistas, trata-se de uma boa novidade. “Existia uma controvérsia em relação ao tema, mas o estudo indica que o laser é tão eficaz quanto os colírios e pode ser até mais interessante do ponto de vista financeiro”, comenta Christiane Rolim, médica do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO). Na pesquisa inglesa, o laser demonstrou ser melhor para o bolso no longo prazo por exigir menos investimentos na farmácia e deslocamentos para exames e consultas.
O colírio, claro, não deixa de ter seu mérito, até porque os resultados da investigação são parecidos do ponto de vista de eficácia. Entretanto, questões como a adesão ao tratamento, que exige treinamento e dedicação, podem atrapalhar sua ação.
Fora isso, estima-se que cerca de um quarto dos usuários acabe precisando de mais de um tipo de remédio no olho depois de um tempo.
Apesar disso, mudanças no protocolo de tratamento podem demorar um pouco, até porque envolvem discussões entre sociedades médicas, pacientes, cientistas e o governo. É esperar para ver como as coisas se desenrolam por aqui.
Como funciona o laser
A trabeculoplastia seletiva foi desenvolvida na década de 1990 e já é utilizada há anos no Brasil. Ela visa melhorar o sistema de escoamento do humor aquoso, líquido importante para a saúde ocular, mas que pode se acumular e, aí, fazer a pressão subir – é o princípio do glaucoma.
O alvo do laser é a malha trabecular, parte do seio camerular. Trata-se de um “ralo” por onde o líquido é eliminado.
A terapia é indicada somente para o glaucoma de ângulo aberto, o mais prevalente. “Sua utilidade é maior na fase inicial da doença, quando a região ainda não está tão danificada”, comenta Christiane. A abordagem demora 15 minutos e não exige internação nem tempo de recuperação em casa.
A técnica tem menos risco de inflamação e reações adversas do que a trabeculoplastia convencional, que usa outros tipos de laser e que ainda é empregada em situações específicas. Seu efeito é notável, porém não permanente. “Depois de dois, três anos, é preciso repetir o procedimento ou tentar outros métodos”, pondera Lísia Aoki, oftalmologista do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).
Nos casos severos de glaucoma, há cirurgias que abrem canais de drenagem para o humor aquoso. Cabe reforçar que nada é capaz de acabar de vez com a enfermidade, que afeta até um milhão de pessoas no Brasil e que não apresenta sintomas claros no princípio.
“As visitas constantes ao oftalmologista são a única maneira de flagrar o problema no início, quando as chances de sucesso de qualquer tratamento são melhores”, encerra Lísia.