Militares

Os Mansos herdarão a treva – Os Militares não foram os que receberam maiores aumentos. Alguns militares foram beneficiados, mas a grande maioria permanece sem sequer a reposição inflacionária


JB REIS – REVISTA SOCIEDADE MILITAR –

Texto de COLABORADOR – Os Mansos herdarão a treva

Na “luta” entre imprensa e Bolsonaro, as maiores vítimas são as baixas patentes das Forças Armadas. Já os generais vão “passando a boiada”.

As sereias, porém, possuem uma arma ainda mais terrível do que seu canto: seu silêncio.”

(Franz Kafka)

Nos últimos dias pelo menos cinco sites de notícias ligados a jornais e revistas bastante conhecidos  publicaram matérias sobre uma suposta primazia que os militares teriam em relação a aumento salarial. As matérias diferem pouco umas das outras, mas na verdade todas são ecos de um levantamento feito por uma instituição chamada Centro de Liderança Pública, “uma organização suprapartidária que busca engajar a sociedade e desenvolver líderes públicos para enfrentar os problemas mais urgentes do Brasil”. “O CLP identifica os problemas e os principais atores e líderes públicos em posição de resolvê-los”. O resumo do levantamento do CLP é que os militares teriam tido seus salários aumentados em quase 30% nos últimos dez anos. Os dados podem ser contemplados nos respectivos cartórios, ou melhor, nos jornais. O que há por trás de ações aparentemente orquestradas como essa?

Há muitos vetores atuando nesse plano inclinado. Grande parte da imprensa está em guerra aberta contra o governo (militar), mas é orgulhosa ou estúpida demais para admitir que o golpe já foi dado debaixo de seu nariz arrebitado. Como não conta com munição adequada para ataques direcionados e cirúrgicos, atira o que tem à mão. Obviamente erra mais do que acerta, causando efeito contrário ao esperado. Outro obstáculo básico para o correto manejo dessa informação é uma das deficiências confessas de qualquer jornalista honesto, é dizer, ele é o sujeito que “sabe quase nada de quase tudo”. Ignorante por conveniência ou por simples falta de tempo sobre o tema que veicula, agarra-se a relatórios estatísticos frios e publica meias verdades – em português claro: mentiras. Esquece-se ou finge não saber (outra especialidade?) que a Estatística, quando mal usada, é a arte de enganar com os números.

O que a imprensa – essa entidade que muito apropriadamente já foi chamada de o “quarto poder – ignora, mas que teria obrigação de saber (antes de  fazer o jogo do inimigo) é que entre o soldado (que ganha um salário mínimo, por força de lei, pois se dependesse dos generais nem receberia…) e um pomposo general há um abismo tão descomunal que qualquer pessoa séria se recusaria a classificar os dois como “militares”. Soldado e general são tão íntimos profissionalmente quanto o porteiro do Trump Tower e o próprio Donald Trump.

Quando a imprensa leiga se arvora a tratar dos militares, sem conhecimento de causa, perde-se na numerologia de institutos tendenciosos, e acaba fazendo o jogo da regência militar que encabeça o governo e que aparelhou a administração pública. Ao mirar na palavra “militar”, o jornalista pensa que atinge Bolsonaro, mas nem mesmo os generais são alvejados. Estes e o capitão presidente já estão acima do teto há anos. Os generais se blindaram em 2019 ao aumentarem seus próprios salários como forma de compensar novos descontos impostos pela reestruturação da carreira. Mas, a tropa, principalmente inativos e pensionistas, foi deixada no acostamento, à espera da bancarrota. As vítimas dessa guerrilha de informações mal geridas são justamente os militares mais pobres, que ficaram de fora das benesses dadas aos generais e oficiais oriundos das academias militares em 2019.

Como o diabo faz a panela mas não faz a tampa, o próprio CLP diz sorridente em seu site que foi um dos fomentadores da reforma da previdência. Quando o CLP – que diz trabalhar “por um Estado Democrático de Direito de fato” – afirma, escorado em relatório enviesado, que entre o soldado e o general ocorreu o “aumento médio” maior do funcionalismo público, ele na verdade escarnece do estado democrático, pois iguala o rico ao pobre. De maneira irresponsável manobra a realidade e vende o delírio liberalóide de que todos os porteiros um dia serão Donald Trump. A imprensa o que faz? Investiga? Apura? Mostra a realidade por trás dos números? Não, ela faz o que vem fazendo melhor ultimamente, chancela a mentira, em nome de uma narrativa, fazendo seu papel de cartório do governo. Imprensa, iniciativa privada e generais, todos unidos para massacrar os pobres da caserna.

Um indício que apoia nossa teoria de que a imprensa profissional não merece mais respeito do que um blog de esquina pode ser degustado no episódio “Projeto de Nação – O Brasil em 2035”. Comentamos de passagem sobre o tema no texto “Lugar de militar”, mas o que reforça a proposta desta presente digressão, isto é, de que a imprensa nacional não está enxergando bem o que se passa é que (mesmo que pontualmente) está servindo de longa manus do governo (militar), que supostamente pretende atingir.

Como até o diabo  tem advogado, talvez sob a pretensão de ser pluralista, inclusivo e imparcial, o UOL recebeu em 2021 de braços abertos o simpático general Otávio do Rêgo Barros, ex-porta-voz da Presidência. O gesto aparentemente maroto deste grande veículo de comunicação – talvez crendo ingenuamente que teria um ex-convertido de língua solta no seu staff – garantiu à Regência (ou “partido”) militar um propagador e defensor de suas ideias escalafobéticas. O UOL é o sexto maior portal de conteúdo do Brasil, com mais de 108 milhões de visitantes por mês. Que melhor caixa de ressonância os generais golpistas poderiam ter? É bom lembrar que o general colunista defensor do BR 2035 era chefe do Centro de Comunicação Social do Exército em 2014 e um dos principais assessores do então comandante, general Eduardo Villas Bôas – sim, o general tuiteiro dá nome a um dos “think tanks” que elaborou o “Projeto Brasil 2035”. Mas, quantos jornalistas, que dormem e acordam injuriando Jair Bolsonaro, conseguem ligar esses pontos?!

O cerne da questão é mesmo a representatividade. Enquanto a cúpula das Forças Armadas é secundada por institutos empenados cheios de generais, conta com generais-comentaristas na imprensa de massa e a conivência democida do governo, os componentes da “base proletária” dessas mesmas Forças assistem passivos e mansos à procissão dos que lhes solapam os direitos e lhes varrem para debaixo do tapete. Os militares pobres só são militares para inflar as estatísticas que atacam o governo. Como na época de FHC, os generais de Bolsonaro privatizaram os lucros e socializaram os prejuízos. Vozes solitárias se erguem aqui e ali, mas a massa não leveda, não cresce, é infensa à organização. Enquanto não houver solidariedade institucional, enquanto não houver um voz coletiva, que se faça respeitar, o futuro das categorias de base da classe armada será a treva pura e simples.


Edmilson Braga - DRT 1164

Edmilson Braga Barroso, Militar do EB R/1, formado em Administração de Empresas pela Universidade Federal de Rondônia e Pós-graduado em Gestão Pública pela Universidade Aberta do Brasil.

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