Por: Paulo Cordeiro Saldanha
Estamos a padecer da seca, constatação que nos deixa preocupados, temerosos e tensos, receando as queimadas, vendo o mundo culpar a Amazônia no particular e o Brasil no geral por conta das adversidades climáticas que ocorrem no planeta.
Todavia, sabe-se que a tragédia embutida nas secas vem lá de trás, quando o Brasil ainda engatinhava e a Amazônia dava os primeiros passos na busca de uma integração com as demais regiões e com outros países…
Aliás, a Bíblia exalta uma tragédia que modificou o cenário planetário.
E, revendo a história, vejo que nas épocas das secas de 1844-1845 e a de 1877 (ano da grande seca no Nordeste), quando a Amazônia ainda era virgem e imaculada – embora já com 377 anos da descoberta do Brasil por Portugal -, dado o fato de que nesta região as rotinas humanas passavam pelos rios e igarapés por conta do extrativismo incipiente e consequente da emergente indústria derivada da borracha e sua vulcanização, bem como da extração de madeiras nobres e das coletas da castanha, sorva e malva, tais atividades não mexiam com o clima regional e nem o nacional, muito menos o mundial.
Mas as secas eram tão intensas que, no Ceará, “currais” humanos (nem gosto da frase) e/ ou campos de concentração formados para fazer o bem surgiam em algumas cidades, como por exemplo em Senador Pompeu, visando a distribuir um mínimo de comida (de farinha, rapadura, sal, café torrado no sangue de boi para aumentar a quantidade de ferro e, às vezes, uma bolacha).
O que concorria para que a existência dessa aridez mórbida aqui nas terras de Vera e de Santa Cruz, e até na Coréia, Índia, Filipinas, Java, Nova Caledônia, África do Sul, todos tomados por violenta estiagem no século 19? Se naqueles tempos na Amazônia não existia a agricultura de mercado e a pecuária não era expandida?
Sabe-se que nos períodos de grandes secas há problemas sociais de todas as vertentes… “Famílias inteiras morrendo de fome, pais vendendo os filhos, … abandonando-os. Mulheres vendendo-se por um prato de comida, prostituindo-se. Corpos sem sepultura abandonados pelos caminhos. Todas as imagens infernais foram utilizadas para descrever o que acontecia no Nordeste nas épocas de seca” (Theóphilo, 1922; Smith, 1879).
E os retirantes fugiam do pesadelo transferindo-se para as capitais Fortaleza, Recife e Salvador, principalmente.
Noutras secas mundiais — fala-se, por exemplo, nas de 1877-1879, 1889-1891 e 1896-1902 — houve escassez de alimentos e mais de 30 milhões de enterros foram encomendados.
Outras secas no Nordeste foram violentas, porém aquela de 1877-1879 fora devastadora, segundo relatos que correm de boca em boca nas histórias de familiares com origem nordestina (meu caso), durante o Império. Nessa fase, mais de 120 mil cearenses migraram para a Amazônia brasileira, dando cobertura a uma transferência de gente de lá para cá, que ocupou espaços e tanto auxiliou na formação cultural e social, logo humana, de nossa gente (peço licença ao Prof. Abnael Machado de Lima).
Rachel de Queiroz escrevia em “O Cruzeiro”, revista que publicava suas crônicas na última página. Eu começava a sua leitura por aí. Ela publicou O QUINZE, um de seus romances narrando a grande seca de 1915. Registro, além de histórico, também histérico, de fato que tanto maltratou o Nordeste.
Nesse período a Amazônia sul americana continuava praticamente intocada. A quem culpar pela tragédia não anunciada?
A chuva potencializada nesta Hiléia escasseava no Nordeste brasileiro, fomentando grupos de retirantes e migrantes de lá para outras partes do Brasil, principalmente para esta Amazônia; e, apesar de seus rios imensos, com ricos mananciais e riquezas escondidas no seu subsolo, gerando problemas sociais.
E a nossa Amazônia, ainda numa fase de extrativismo, valia-se de produtos nativos, mediante as descobertas de sua utilização – da copaíba, andiroba, breu e a ipecacuanha (vegetais com usos medicinais), assim como a piaçava, malva, sorva, da balata. E, paralelamente, ia-se produzindo arroz, milho, mandioca (muita farinha) e feijão numa agricultura de subsistência, o que, com as sobras, os amazônidas faziam girar a economia regional, passando ao largo da fome e da escassez.
E a Amazônia de 1915 mantinha-se altiva e soberanamente intacta, com suas matas verdejantes, suas riquezas escondidas no seu ventre, contribuidoras com umidade, com seus 40% de apoio nas exportações brasileiras por conta da borracha – produto estratégico, ainda que em queda a partir de 1913, posto a entrada em atividade dos seringais da Malásia, Cingapura e Ceilão, na época colônias britânicas e que foram posteriormente invadidas pelos japoneses durante a 2ª Grande Guerra.
A quem se culpava pela tragédia das secas no mundo?
Ora, desde há muito que esta parte do Brasil, com seus 33% das florestas do planeta, oferece ao mundo: qualidade do solo, regulando os estoques de água doce e cuidando da biodiversidade, mantendo viva a vida no planeta com os seus cenários magníficos, pássaros, bichos, peixes, etc. etc.
E nos anos 1844 nem esta Hiléia nem no Pantanal se derrubavam árvores, nem se faziam pastagens, nem se plantavam algodão, cana, soja, milho, café e cacau, cujas atividades em escala empresarial só a partir dos anos 70 se intensificaram neste espaço, pulmão do mundo.
E eu questiono: quem era o responsável pelas secas ocorridas entre 1844 e os anos de 1860?
A ciência nos ensina que as causas têm efeitos modificadores, razão de se questionar quais as origens das secas no planeta quando nos anos de 1844 até 1914, e até bem depois dessa data, tempo em que à Amazônia não eram debitadas essas tragédias.
Todavia, com os adventos de algumas ONG’s, abastecidas por interpretações eivadas de ódio e ilações duvidosas, sem ternura no coração, algumas dessas culpam a Nação brasileira e a Amazônia pelo surgimento de catástrofes, em face das alagações, tempestades, terremotos, queimadas, desequilíbrio ecológico, desastres naturais, secas, furacões e ciclones, mesmo tendo a História registrado que essas tragédias sempre aconteceram no planeta desde muito antes de feitas intervenções aqui, sendo certo que calamidades climáticas já ocorriam quando o Brasil nem havia sido descoberto.
Quem não se lembra do Dilúvio e da Arca de Noé, de que nos fala a Bíblia Sagrada?