Destaque na mídia é ‘recompensa’ para atiradores, diz pesquisadora americana
DEFESA NET
Massacres como o que deixou ao menos dez mortos e 11 feridos em uma escola em Suzano, na Grande São Paulo, na quarta-feira, costumam ser seguidos por dias de cobertura intensa da mídia, muitas vezes com foco específico nos autores.
Para a americana Jaclyn Schildkraut, professora de Justiça Criminal da State University of New York (Universidade Estadual de Nova York) em Oswego, nos Estados Unidos, que há vários anos estuda massacres em escolas e universidades do país, esse excesso de atenção acaba recompensando os atiradores, ao torná-los famosos, e pode inspirar novos ataques.
“Tipicamente, a cobertura da mídia é centrada no atirador, em vez de focar nas vítimas ou nos heróis que responderam ao ataque”, diz Schildkraut à BBC News Brasil.
“Isso recompensa essas pessoas por matar outras pessoas e incentiva outros ataques semelhantes”, afirma a especialista, autora do livro Mass Shootings: Media, Myths and Realities (“Tiroteios em massa: Mídia, Mitos e Realidades”, em tradução livre).
Schildkraut e outros especialistas ressaltam que uma das motivações desse tipo de massacre é a busca de atenção, fama e notoriedade. “(Com o foco no atirador) você está dizendo àqueles com ideias semelhantes que também serão recompensados com fama se fizerem algo parecido, ou até pior”, observa.
‘Efeito imitação’
Diversos estudos nos Estados Unidos analisam o fenômeno no qual autores de tiroteios buscam alcançar ou superar a fama de atiradores anteriores, matando ainda mais pessoas, no que é chamado de “efeito imitação”.
A cobertura intensa da mídia sobre os autores, o número de vítimas e a magnitude da tragédia, com termos como “o maior” ou “o pior”, acaba colaborando para esse ciclo.
O fenômeno começou a chamar atenção principalmente a partir do massacre na escola de Columbine, no Colorado, que deixou 15 mortos (entre eles os dois atiradores) em 1999 e, desde então, foi citado como inspiração por dezenas de autores de ataques posteriores.
“Foi a primeira vez em que realmente houve ampla cobertura de um tiroteio. A rede CNN interrompeu a programação diária para cobrir o evento ao vivo”, lembra Schildkraut.
“Nos últimos 20 nos, a cobertura da mídia transformou os dois autores em heróis. De muitas maneiras eles se tornaram mártires, deuses para outras pessoas que querem cometer atos semelhantes. Jovens que nem haviam nascido na época estão hoje cometendo massacres e citando os autores de Columbine”, ressalta.
Schildkraut reconhece que é difícil estudar o fenômeno em outros países, onde esse tipo de ataque não é tão comum como nos Estados Unidos. Mas ela lembra que os autores de Columbine e de outros ataques famosos já foram citados várias vezes mesmo por atiradores internacionais.
Vários órgão de mídia no Brasil apontaram para semelhanças entre o massacre de Columbine e o de Suzano – como o fato de ter sido cometido por dois atiradores, no suicídio de ambos, no uso de armas brancas (vários tipos de facas, no caso de Columbine, machadinhas, besta e arco e flecha no caso de Suzano) -, mas ainda não está claro até que ponto os autores do ataque de quarta, Guilherme Taucci Monteiro e Luiz Henrique de Castro, eram inspirados diretamente pelo massacre nos EUA – que fará 20 anos em abril.
Campanha
Logo após o massacre em Suzano, começaram a circular vídeos com imagens gráficas, de vítimas fugindo e corpos caídos no chão.
Schildkraut alerta que esse tipo de imagens pode levar à revitimização de toda a comunidade onde a tragédia ocorreu.
Qual seria então a maneira responsável de noticiar esse tipo de tragédia, respeitando tanto o direito do público à informação quanto a memória das vítimas e evitando dar fama aos autores?
Schildkraut cita campanhas como a “No Notoriety” (“Sem Notoriedade”, em tradução livre), criada por Tom e Caren Teves, cujo filho, Alex, foi um dos 12 mortos no tiroteio em um cinema em Aurora, no Colorado, em 2012.
“O que se está propondo não é ignorar totalmente o autor, mas usar informações como seu nome ou imagem de forma muito limitada”, esclarece.
“Obviamente, é informação que está circulando e que o público sente que tem o direito de saber. Então, deve ser publicada, mas não gratuitamente.”
Ela sugere, por exemplo, citar o nome apenas uma vez, e nas menções posteriores referir-se apenas ao “atirador”.
Outras sugestões são não usar o nome do atirador em títulos ou com destaque, não usar fotos grandes que ocupem o maior espaço da reportagem e não publicar manifestos ou posts de redes sociais do autor. Abordar métodos e motivações para o ataque, mas sem focar excessivamente no autor e sua imagem.
“Se a situação ainda está se desenvolvendo, se o atirador ainda está à solta, divulgue a informação. Nós queremos levar esse indivíduo à Justiça e levar o evento a uma conclusão. Mas depois disso, tire o foco do autor”, salienta.