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Mulheres das Forças Armadas protagonizam na linha de frente contra a covid-19


Em São Gabriel da Cachoeira, uma região sensível da fronteira do país, atuação das militares derruba preconceitos e estereótipos. Presença feminina potencializa o trabalho das Forças Armadas e estreita a relação de confiança com a população

Bruna Lima
São Gabriel da Cachoeira(AM) –– Na linha de frente contra a covid-19 no estado que mais sofreu com o colapso do sistema de saúde e, ao mesmo tempo, com a missão de proteger o território, seu povo e as riquezas naturais nas fronteiras do extremo norte do país, as mulheres conquistam protagonismo na maior brigada de infantaria de selva do mundo — uma face pouco conhecida do Exército, histórica e majoritariamente integrado por homens, mas que, hoje, apoia e reconhece a competência e o poder femininos. O Correio esteve nesse distante município na fronteira brasileira com a Colômbia e a Venezuela para conhecer a trajetória de mulheres que fazem o atendimento de saúde à população indígena da região.
Há três anos, a tenente Sarah Mota, 35 anos, tomou a difícil decisão de deixar o filho, que à época tinha apenas oito, aos cuidados da avó, em Manaus, para servir à 2ª Brigada de Infantaria de Selva, em São Gabriel da Cachoeira, a 860 km da capital amazonense. A militar é a psicóloga da brigada, acolhendo colegas de farda e parentes em todo o município, que é o terceiro maior do país em extensão territorial. Por isso, além dos atendimentos na sede, Sarah percorre os mais de 109 mil quilômetros quadrados onde ficam os sete Pelotões Especiais de Fronteira (PEF). Apesar do trabalho em consultório, Sarah garante que a ação em campo não fica em segundo plano.

“Levo meu armamento, preparada para usá-lo, se preciso for. Mas, efetivamente, uso como arma as palavras, o acolhimento verbal, como principal forma de defender a vida dos meus colegas”, afirma.
A integração oficial das mulheres no Exército só foi institucionalizada em 1992, e na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), escola de ensino superior da força, em 2017. Entre as três forças, o Exército é a que tem menor proporção feminina no efetivo: aproximadamente 6,4%. A promoção de uma mulher ao generalato só é esperada para 2021.

Liderança
Mas, apesar das barreiras, a presença delas nos cargos de liderança é cada vez maior. No Hospital de Guarnição de São Gabriel da Cachoeira (HGuSGC), único que atende todos os mais de 46 mil moradores do município, duas mulheres que dirigem os trabalhos: a tenente-coronel Anaditália Araújo e a major Simone Marte, enfermeiras de profissão e militares de carreira há mais de duas décadas. “Estamos ocupando cargos que, no passado recente, não eram percebidos como nossos. Mas essa é uma questão da própria sociedade e, quando há mudança social, isso também ocorre no Exército”, salienta Anaditália, diretora do hospital.
Mesmo com a inserção recente da mulher na Força, Simone, que é a subdiretora, afirma que o tratamento interno não é diferente. “Os espaços foram conquistados com respeito e trabalho e, da mesma forma, o retorno se traduz em respeito”, observa.
Esta é a primeira vez que o HGu é comandado por duas enfermeiras militares, justamente durante uma pandemia num estado cujo sistema de saúde colapsou. A situação de Manaus, que sofreu, em fevereiro, com uma crise de abastecimento de oxigênio hospitalar, se refletem em São Gabriel. No início do ano, 100% dos leitos do hospital foram ocupados devido à segunda onda da covid-19. Até o momento, 94 pessoas da cidade morreram pela doença, sendo 35 delas apenas nos três primeiros meses de 2021.

Apoio
Para embarcar na missão de atender pacientes que, muitas vezes, não falam português, a pernambucana Anaditália e a gaúcha Simone contam com a ajuda de boa parte da equipe composta por indígenas, povo que também rsponde por 40% do efetivo local da 2ª Brigada de Infantaria de Selva, estratégia que garante a integração entre militares e população. Desde 2013, o Exército é quem realiza a gestão do hospital, mesmo sendo uma unidade do Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente, mais de 70% do efetivo são formados por militares.
“É importante saber de onde viemos para traçar para onde vamos. Não temos uma relação conflituosa entre Exército e indígenas, mas, para isso, é necessário conhecimento. A troca exige respeito em todas as esferas”, enfatiza o general de brigada Alexandre Ribeiro de Mendonça.
Que o diga a médica e militar Ilzinei da Silva, 29, representante da etnia baniwa e nascida em São Gabriel da Cachoeira. Sempre enxergou a proximidade entre Exército e comunidade positivamente. Ela atuou em centros de referência de covid-19, em Manaus, e ingressou este ano no Exército, retornando à cidade natal para os colegas de farda e para sua gente.
“Atendi mulheres boniwa que não falam português. E, para elas, é uma surpresa: ‘uma de nós médica, como é possível?’”, relata, já que a maioria dos funcionários que falam dialetos indígenas não possuem tal formação. Além do português, o idioma de São Gabriel é o baniwa, o tukano e o nheengatu.
Ilzinei deseja se especializar em ginecologia para amparar, ainda mais, a população local. “Na cultura indígena, é normal que as mulheres fiquem acanhadas quando um homem realiza um exame preventivo. Com outra mulher, e do local, a identificação é mais fácil”, ressalta.
A repórter viajou a convite do Ministério da Defesa.

Quando a firmeza vem com suavidade
Para as meninas que cresceram admirando a princesa guerreira Mulan, que, para lutar por seu povo, passou-se por homem e foi para o fronte, eis uma curiosidade: aqui, essa história existiu de verdade. Em 1823, Maria Quitéria de Jesus fugiu de casa disfarçada para lutar pela Independência do Brasil. É dela o primeiro registro de participação de uma mulher em uma guerra brasileira e foi reconhecida e condecorada por isso. Somente mais de um século depois, as Forças Armadas incorporaram 73 mulheres ao efetivo, mas nem por isso a barreira foi quebrada. Apesar de serem metade da população, elas não chegam a ocupar 14% das vagas militares.
Atualmente, a Força Aérea Brasileira é a que possui maior efetivo feminino: 12.538, o que representa 19,23% do contingente. Mas foi somente em novembro de 2020 que a primeira mulher chegou ao topo da carreira na FAB, em 80 anos de instituição. Promovida a oficial-general, a brigadeiro-médica Carla Lyrio Martins é diretora do Hospital Central da Aeronáutica, onde comanda mais de 1.100 militares e civis.
“Acredito que, assim como as pioneiras da FAB, que abriram os caminhos para a minha chegada, também poderei ser um exemplo e um modelo para aquelas que almejam trilhar uma profissão que exige dedicação, mas que oferece oportunidades de crescimento”, explicou a belo-horizontina Carla.
Na Marinha — força que primeiro começou a admitir o público feminino nos seus quadros, em 1981, e a promover mulheres às mais altas patentes, em 2012 —, outra Carla se destaca. Comandante na Missão de Paz da Organização das Nações Unidas na República Centro-Africana, a capitão de fragata Carla Araújo recebeu, no ano passado, o prêmio Defensoras Militares da Igualdade de Gênero das Nações Unidas (ONU) 2019 pelo trabalho realizado naquele continente.
De volta ao Brasil, a comandante voltou-se para uma experiência em que pôde cuidar da proteção de civis, crianças, mulheres, com foco na prevenção da violência sexual e de conflitos armados. O reconhecimento internacional do trabalho provou, para ela, que, mesmo depois de mais de duas décadas na Marinha os desafios não param. “Foi a resposta aos meus questionamentos internos se eu estava fazendo a coisa certa. Todo o trabalho que fiz foi pensando em dar o meu melhor”, salienta. (BL)
CORREIO BRAZILIENSE/


Edmilson Braga - DRT 1164

Edmilson Braga Barroso, Militar do EB R/1, formado em Administração de Empresas pela Universidade Federal de Rondônia e Pós-graduado em Gestão Pública pela Universidade Aberta do Brasil.

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