O cinema italiano em Guajará-Mirim
CRÔNICAS GUAJARAMIRENSES
Por: Paulo Saudanha
Nos anos 60 o cinema italiano brindava a humanidade com as películas estreladas por Giuliano Gemma, o astro dos filmes cowboys, como, por exemplo, “O Dólar Furado”, “Uma Pistola para Ringo”. Noutra ponta, Vitório De Sica nos trazia “Ontem, Hoje e Amanhã”, “Matrimônio à Italiana”, ”Os Girassóis da Rússia”. E Fellini? O monstro sagrado da direção! E Sophia Loren, Gina Lollobrigida e Claudia Cardinale? Essas mexiam com as fantasias masculinas…
Na metade dessa década, eis que apareceu em Guajará-Mirim, um “Diretor” italiano, com pequena troupe, desejando produzir um filme em que a Amazônia, com sua floresta tropical, seria decantada em cores, diálogos e imagens; essa Hileia exuberante, com seus rios caudalosos e com suas árvores enormes, répteis e animais silvestres, alguns perigosos, como a onça, que iam incendiando as lendas, os questionamentos, divagações e os receios, principalmente, dos visitantes.
Mas o danado do filme, para ser iniciado e, depois, concluído passava por necessárias e imprescindíveis contribuições do comércio local, até porque esta cidade seria apresentada ao mundo e a um público elitizado da Europa e da América, talvez até na Ásia, quando o nosso ambiente fronteiriço seria exposto, para ser “curtido” e reverenciado.
Contatos foram mantidos, conversas encetadas e aproveitamento de artistas locais poderia ser uma possibilidade… no terceiro encontro já era uma certeza.
Os rapazes da minha geração se dividiam, uns desejando aproveitar essa chance, outros se manifestando contra a idéia de protagonizar ou tornar-se um ator coadjuvante na história. O José Maia, que já possuía experiência como artista lá do Colégio das Freiras, já andava garboso como um astro.
O Paulo Cruz (era o Prefeito interino), embora dividido, ora pensava em participar, ora não; ora, frente ao espelho se enxergava como o mocinho, jamais se via como bandido, condição aceita pelo João Oceano de Souza, que nem altura possuía para contracenar com uma das beldades que fizesse parte do Set de filmagem. Falava-se que a Gina Lollobrigida seria a artista principal. Mas a Florisbela desejava atuar como a mãe da figura principal.
O Nelson Casara poderia ser, no mínimo, o substituto para o Giuliano Gemma, posto que, parecido com ele, poderia conquistar um espaço nos países aonde o filme iria chegar.
O Macedinho asseverava que participaria do filme nem que fosse como o “esterco do cavalo do bandido”… Garantia não confirmada, pois esse papel já estava reservado para o “Neguinho” Dezessete.
O Simão Salim mandara um telegrama dizendo que sairia de Sena Madureira, Município aonde exercia as funções de Gerente da filial do BASA e viria disputar um lugar, nem que fosse no tapa, em face da sua experiência como ator teatral e como lutador de boxe.
De Porto Velho, o Euro Tourinho Filho, através do Wilson Couto, representante do jornal “O ALTO MADEIRA”, enviou um recado para assegurarem uma vaga, porém os radicais do pedaço só garantiam lugar para os moradores da cidade. Picuinha contra os da capital!
O Felipe Assad Azzi, já teria escolhido um nome artístico tal qual ROGACIANO CAÇALHO, mas foi terminantemente proibido de participar das filmagens porque, por ser alto, bonito, forte e disposto, poderia transferir residência para Roma, cidade que não agradava sua mulher Loudinha Bouez Azzi, em face do frio acachapante que desce por lá. Na verdade, ela sentia ciúme do marido, se acaso fosse parceiro da Claudia Cardinalle, por quem o Felipe, bem antes do namoro e do seu casamento, suspirava e sonhava…
O Flávio Paes valia-se do quintal do Hotel Guajará (a esposa Tereza Paes era a gerente) para ensaiar os gritos que o Tarzan produzia, mas acabou desqualificado, porque, já bem pesado, foi fazer evoluções num dos galhos da goiabeira, quebrando-os, ferindo-se e trincando duas costelas.
E, assim, por conta da movimentação e da efervescência ambientadas na pacata Guajará, o tal italiano foi conquistando espaço na alma e no coração do ingênuo povo regional, arrancando preciosos auxílios financeiros, inclusive de seringalistas. Até do pessoal do Banco da Amazônia, a partir do Edmar Vieira, Amyr Azzi e de mim (não me lembro se o João Teixeira, Sebastião Salazar, Airton Maia e o Américo Paes chegaram a contribuir), apoio em espécie ele conseguiu.
Encurtando a conversa, o italiano, cujo nome já esqueci, evadiu-se, partiu, desapareceu, escafedeu-se, mas mandou umas roupas para a figuração através dos Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul… e nunca mais retornou.
Que grandes artistas a humanidade perdeu! Astros da Pérola do Mamoré que nasceram para brilhar nos estúdios, nas casas cinematográficas e nos teatros mais importantes do mundo.
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